terça-feira, 5 de março de 2013

Não há jardins bonitos só com um tipo de flor!

As manifestações populares de 2 de Março: ainda há quem as queira reduzir a uma discussão sobre números (seja empolando as estimativas, seja desconfiando militantemente, sempre ou apenas quando se gosta do governo, dessas mesmas estimativas); ainda há quem as reduza a manobras tácticas de grupelhos ou de partidos; ainda há quem as compare com eleições, para desvalorizar o seu sentido democrático, como se a democracia fosse só o voto; ainda há quem as absolutize (para alguns entusiastas tornou-se quase pecado não ir à manifestação). Eu, que não fui à manifestação, se não vejo grande utilidade em fazer do currículo manifestatório o teste do empenho numa alternativa política ao "estado a que isto chegou", também não posso rever-me em alguns arroubos comentativos que tentam pintar a coisa como um evento sem grande significado.

O que me importa é que não há jardins bonitos só com um tipo de flor.

Os grandes desafios só podem ser vencidos por grandes convergências de vontades e de esforços. A crise mudou o mundo, pelo que será preguiça demasiada pensar que podemos voltar a pensar tudo como dantes. Fazer o que há a fazer - e, ao mesmo tempo, pensar o que há a fazer de novo - requer uma base social de apoio e uma mobilização de inteligências muito mais ampla do que oferece qualquer partido ou qualquer manifestação. O país não vai ser mudado só com os que foram ou apoiaram as manifestações, mas as manifestações deram a ver (parcialmente) a extensão da dor. O combate político que falta fazer é encontrar o denominador comum das forças e vontades que recusam a visão do mundo que desenhou esta austeridade, bem como os erros globais que a tornaram possível - e, depois, criar a base de uma ideia para sair daqui.

Isso não será possível numa base nacionalista: Portugal não sobrevive de costas voltadas para o mundo, um novo isolacionismo é uma ilusão perigosa, a base política mínima para a soberania fazer algum sentido num mundo global é a Europa organizada. (Não gostamos da orientação da UE? Também não gosto da orientação actual de Portugal e não é por isso que me refugio na freguesia.) Sair deste atoleiro só é possível numa base política com um fundamento claro: o respeito pela dignidade das pessoas, de cada pessoa, só é possível se não estivermos sempre em situação precária. O fundamento da selvajaria do extremismo liberal é manter-nos todos precários: só valemos o que produzimos em cada momento, somos sempre descartáveis, não temos direito a projectos de vida (o nosso único projecto será sobreviver), o dia de amanhã terá de ser incerto para sermos mais líquidos como mercadorias, quanto mais incerta a vida mais dóceis à máquina da exploração. Esse é o fundamento da opressão; é aí - em mudar isso - que terá de ser focado o princípio de uma nova vida. Parece pouco? Tentemos.

Uma coisa é certa: precisamos de um "coligação" para sair daqui. (Não, não estou a falar de nenhuma forma política precisa, estou a falar de uma atitude, de uma vontade, de uma mobilização). Não bastam os manifestantes, não bastam os não-manifestantes, não bastam os partidos, nem os que estão contra os partidos. E, claramente, dispensa-se uma mercadoria muito em voga nestes dias: o sectarismo. Designadamente, o sectarismo das vanguardas, dos maximalistas, dos iluminados, dos que estão sempre cheios de certezas acerca do caminho (especialmente quando o caminho não está feito). Certamente, não vamos sair daqui de braço dado com os que insistem que estamos a fazer o que deve ser feito. Mas, dada essa fronteira, precisamos de uma coligação de um tipo novo. Que, evidentemente, está toda por fazer.

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