Pedro Santos Guerreiro, in
A crise é uma coisa
séria, o Governo da Madeira não. A ocultação, deliberada e consciente,
de despesas não é um problema de eleitores, é um problema de
contribuintes - e devia ser um problema de tribunais. São mais 1,6 mil
milhões de austeridade. Assinado: Alberto João Jardim.
Durante
anos criticou-se a política económica de Jardim, que fez da Madeira um
queijo suíço de túneis. Contabilizou-se o despesismo, criticou-se a
boçalidade do homem, denunciou-se a pressão sobre a imprensa,
sublinhou-se a covardia dos líderes partidários que lá vão beijar as
mãos com a vassalagem de quem lhe lambe os pés. Lembra-se disso tudo?
Agora esqueça. Porque o que está hoje em causa é outra coisa. É esconder
facturas. Não é uma derrapagem, é ocultação. Jardim não tem vergonha na
cara mas envergonha o País. Afinal, em Portugal mente-se como na
Grécia. O líder da Madeira vitimiza-se, desconversa, veste-se de Jardim dos Bosques, angaria forças contra o "inimigo externo" que é "o continente". Que o faça. Se ganhar as eleições, os madeirenses só mostrarão o mesmo relativismo ético de muitos dos portugueses que elegem pessoas que "roubam-mas-fazem". A sua eleição continuará a ser usada como colete à prova-de-bala. E servirá de evidência para o nosso Estado ridículo: o Tribunal de Contas abre a boca mas não sai som, a Procuradoria ameaça dar cabeçadas no ar, o Parlamento cofia os bigodes da complacência, os partidos torcem o sobrolho da cumplicidade.
O regime está podre e está pobre. O que Jardim fez alguém deixou fazer. E alguém vai pagar. Porque esta ocultação, que Jardim já confessou, tem dois custos: o de reputação e o de austeridade.
Os portugueses estão a fazer um esforço brutal para descolar da imagem dos gregos. Para que, caso a Grécia entre em incumprimento, Portugal não vá no canal de sucção dos mercados. Estávamos a somar rótulos de bom aluno. Na sexta, os jornais internacionais já arrolavam Portugal ao lado da trapaça grega. O "Financial Times" dava o exemplo para provar que a solidariedade implícita nos Eurobonds será abusada pelos Estados mentirosos. Como Portugal.
O segundo efeito, caro leitor, sai-lhe da carteira. A metade que lhe sobra do subsídio de férias não chega. A economia está sufocada por impostos mas vai ser preciso garimpar estes 1,6 mil milhões que estavam escondidos.
Não se trata de uma derrapagem, mas de uma ocultação. Os portugueses têm de aprender a métrica destes enganos. Se a extinção de 137 institutos permite poupar 100 milhões, pagar o buraco da Madeira num ano significaria fechar 2.200 institutos, com o desemprego e redução de ordenados que isso significa. Ou deixar de baixar a taxa social única em quatro pontos percentuais. Ou aumentar o IVA em mais três pontos. Ou cortar quase outra vez na Saúde e Educação.
Portugal é um armário cheio de esqueletos gordos. As PPP. O imobiliário. Os famosos falidos. As contas da Madeira. É lamentável que só uma força externa, a "troika", tenha um pé-de-cabra para revelar esta corrupção moral. Se Portugal perdeu a autonomia para a "troika", o Governo da Madeira merece manter a sua? Não. Traiu-a.
A frase inicial deste editorial é adaptada de um cartaz numa manifestação em Roma na semana passada, contra as medidas de austeridade. Há semelhanças entre o Berlusconi deles e o nosso. Mas no fim, Jardim não é um tiranete, um ébrio de populismo, um inteligente mascarado de boçal, não é um keynesiano nem um homem de desenvolvimento. No fim, Jardim é apenas um mentiroso que escondeu dívidas que vão custar dinheiro aos outros. Aos que votam e não votam nele. A nós.
Este escândalo é nosso, não é dele; é nacional, não é ilhéu. Como escreveu John Donne num famosíssimo texto, "Nenhum homem é uma ilha isolada; cada homem é uma partícula do continente (...) E por isso não perguntes por quem os sinos dobram; eles dobram por ti". No fundo, Jardim sempre contou connosco. Nós é que nunca contámos com ele.
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