quinta-feira, 28 de junho de 2018

"Uma das coisas mais importantes num professor é admitir que não sabe"



Rogério Martins, matemático, defende que o nível dos exames "devia ser mais baixo" e que as perguntas deviam ser "mais diversificadas”. Sobre a importância que os pais têm no percurso dos filhos, sublinha: "Muda tudo quando uma criança aprende Matemática e tem pais que a entendem, que valorizam aquele saber."

Um bom professor faz analogias para explicar a matéria, cria empatia com os alunos e, acima de tudo, admite quando não sabe alguma coisa. Quem o diz é Rogério Martins, matemático, professor universitário e apresentador do programa Isto é Matemática que desde 2012 é transmitido na SIC Notícias. Defende que os exames nacionais do ensino secundário deviam ter estruturas diferentes todos os anos, para fazer com que os alunos se foquem na matéria e não na preparação específica da prova. Acha também que os enunciados deviam ser mais simples e ter "perguntas muito mais diversificadas".

Reconhece que as suas aulas não são tão divertidas como o programa que apresenta. Mas cada vez mais valoriza a importância de "criar uma boa relação humana com os alunos". E lamenta que o sistema de ensino já se tenha adaptado ao mundo das explicações — "O professor já conta que vai haver um apoio suplementar." Nada contra as explicações, garante. Contudo, "se tudo estiver a funcionar em condições deve ser suficiente ter um professor, um livro e estudar".



É possível dar aulas tão divertidas como o Isto é Matemática?

Não quero passar a ideia de que as minhas aulas são como no programa. Não são. Eu costumava dizer que fazer o programa é o sonho de qualquer professor. Primeiro, eu posso escolher o que quero ensinar. Posso ir buscar a parte mais divertida. Segundo, tenho uma lista de gente para tornar aquilo ainda mais giro. Uma equipa de profissionais de televisão e um guionista para criar um ambiente e uma história. As minhas aulas são muito parecidas com uma aula normal. É claro que conto as minhas histórias e tento motivar os alunos da melhor forma.

Como é que se motiva os alunos?

Quando era estudante comecei a ler muito além daquilo que era ensinado na faculdade. Lia, lia, lia... Depois começava a criar pontes. O que faço nas minhas aulas é tentar criar essas pontes. Falar sobre curiosidades. Podia fazer-se mais isso nas escolas. Mas eu também estou a dizer isto e a falar de “barriguinha cheia” em relação aos colegas que dão aulas no secundário ou no básico. Nós, na faculdade, temos mais alguma liberdade para ajustar o que queremos fazer. Estes outros colegas têm programas extensíssimos, muito minuciosos e que não lhes dão margem de manobra. Mas uma coisa boa é relacionar, porque motiva as pessoas.

O que é que tem um bom professor?


Uma das coisas mais importantes é admitir que não sabe. É mais do que natural que um professor não saiba tudo. É claro que se espera que tenha uma boa formação, não digo que não. Depois há aquelas outras coisas, como saber muito, ser claro, criar boas analogias... Eu no início achava que era importante saber muito. Nos últimos anos, uma das coisas que acho importante, é criar uma boa relação humana com os alunos.

Os professores de Matemática são bem formados em Portugal?


Temos muito bons professores. Em geral, é uma profissão que tem gente com vocação. No caso de Matemática, as pessoas preocupam-se. Os professores fazem um investimento para a tornar agradável. Nós queixamo-nos mas a verdade é que a escola está cada vez melhor.

Então porque é que os alunos portugueses continuam a ter tão más notas a Matemática?

Têm, mas não são tão más quanto isso. A forma como se ensina Matemática e como os alunos aprendem é todo um reflexo da forma como a sociedade foi ensinada. Nós somos um país com um histórico de educação muito curto.

De facto, os resultados dos alunos de 15 anos no PISA, um estudo que é feito de quatro em quatro anos pela OCDE, têm vindo a melhorar. Estávamos sempre no fim da tabela e agora estamos ligeiramente acima da média. Porquê?


Estarmos ligeiramente acima da média é bom quando o nosso sistema de ensino surgiu em massa a seguir ao 25 de Abril. As pessoas que agora estão na escola começam a ser os filhos de quem foi educado depois do 25 de Abril. Muda tudo quando uma criança aprende Matemática e tem pais que a entendem, que valorizam aquele saber, porque eles próprios também estudaram aquilo e conseguem acompanhar. A verdade é que melhoramos todos os anos e se agora estamos acima da média, é expectável que no futuro vamos estar ainda mais se seguirmos esta curva — é um bocadinho independente do programa em vigor, parece-me.

O que pensa dos actuais programas do básico e secundário?


O programa é muito ambicioso e acho que o devemos ser com as novas gerações. Apesar de não ter experiência no secundário e tudo o que digo ser baseado no que me comunicam, as pessoas dizem-me que se sentem um bocadinho asfixiadas pela quantidade de matéria. Tendemos a achar que quantidade é sinónimo de qualidade e não tem de ser. Se tivermos menos matérias mas pudermos aprofundá-las mais, conseguimos fazer com que os alunos entendam com mais profundidade e com que que faça mais sentido na cabeça deles. Talvez seja demasiado extenso e formalista. O formalismo é importante, sem dúvida, mas a intuição também é.

Em Portugal, as duas principais organizações que reúnem docentes de Matemática, a Sociedade Portuguesa de Matemática (SPM) e a Associação de Professores de Matemática (APM), têm posições radicalmente opostas quanto ao que devem ser os programas da disciplina e quanto ao modo de os ensinar. Não é possível existir um "mínimo denominador comum" a este respeito?


Eu gostaria muito que houvesse. É pena que as pessoas não se sentem mais para discutir e criar consensos e que os programas não sejam mais estáveis.

Como é que se poderia alcançar a estabilidade dos programas?


Essa estabilidade só é possível se os programas forem independentes do ministério. Faria sentido criar um conjunto de cabeças pensantes que pudessem ter representantes das várias sociedades de professores e que chegassem, entre eles, a um consenso que fosse suficientemente estável para manter um programa dez anos ou mais. Se há área na qual isso é possível fazer é na Matemática. É pena que a SPM e a APM não estejam mais de acordo, mas isso tem todo um contexto.

Qual é esse contexto?


A SPM está mais ligada ao ensino superior, a APM mais ao ensino secundário. Sempre foram mundos de costas voltadas. E nós que damos aulas nos primeiros anos de faculdade percebemos isso. Não há uma continuidade. Basicamente, os programas mudam e tudo o que ensinamos [no superior] ignora o que está a acontecer.

Como é que se podem cruzar estes dois mundos?


Estou aqui a levantar uma possibilidade que nem sei se está na cabeça de alguém, mas uma coisa que achava muito útil era existir um maior cruzamento entre secundário e superior. Devia ser possível e seria extremamente útil, permitir a professores universitários fazer alguns anos no secundário. Porque é isso que faz falta. Mas isso não é possível.

Os exames do secundário são bem feitos?


Acontece em geral, não só nos exames, que quando as pessoas estão a avaliar exista uma certa tendência para se começar a fazer o mesmo tipo de perguntas [sempre]. Quando isso acontece, dá-se a volta ao sistema. Os alunos começam a preparar-se para o exame em vez de se preocuparem em aprender. É claro que a culpa disto não é dos alunos e nem sequer dos professores que preparam. A partir do momento em que eu, como pai ou aluno, percebo que é muito mais fácil arranjar um explicador, que me explica as perguntas que tipicamente aparecem no exame e que aquilo que eu tenho de fazer é perceber as resoluções, eu não estou a aprender Matemática, estou a aprender a fazer um exame.

Então defende um exame diferente todos os anos?


Sim. Eu defendo que os exames devem ser provavelmente mais simples, porque se criássemos exames com perguntas muito fora da caixa os alunos iriam ter muito más notas. O nível devia ser mais baixo e com perguntas muito mais diversificadas. A regra no exame devia ser que fosse sempre diferente. Eu estou a dizer que isto está a acontecer agora com os exames nacionais, mas se for à minha faculdade isso também acontece.

É preciso estudar muito para ser bom aluno a Matemática?


Há pessoas que estranhamente não precisam de estudar muito para serem boas alunas a Matemática. Há outras que estudam muitíssimo e não conseguem. É bom ter um bom método. Os piores casos que já vi são aquelas pessoas que estudam muito e não têm sucesso. São alunos que ficam muito centrados na matéria e não fazem as pontes.

E as explicações particulares, fora das aulas, são essenciais?


Infelizmente estão a ser. Eu não tenho nada contra as explicações, acho que são algo essencial. Deviam ser como uma terapia. Para mim essa é a forma saudável de ter explicações. Mas isso na prática não acontece muito. Muitos pais têm tendência para pôr os filhos na explicação de forma continuada. Algo que não censuro porque o sistema já se adaptou ao mundo das explicações. O professor já conta que vai haver um apoio suplementar. Agora, se é possível fazer o ensino sem ir à explicação? É. Se tudo estiver a funcionar em condições deve ser suficiente ter um professor, um livro e estudar o seu tempo.

Até porque há a questão do preço. As explicações também promovem as desigualdades?

Sim. E é uma pena que isso aconteça.

O que é que se perde ao ter jovens que não gostam de Matemática?


Perde-se uma parte importante da cultura. A Matemática é um mundo. Eu gostaria de dizer que se perde um lado de ver o mundo mais racional. Nós não temos de ver tudo de forma racional, mas às vezes as pessoas fazem escolhas que não são as mais certas. Estou a falar de coisas tão simples como a forma como compram um seguro, nas escolhas que fazem se compram este ou aquele carro. Não tem mal nenhum, mas é bom que percebam exactamente o que está em causa.



terça-feira, 26 de junho de 2018

Quem gosta de ir à escola?


Nos últimos anos temos vindo a assistir a um desenvolvimento significativo dos estudos que nos permitem conhecer as razões que levam os professores a atingirem estádios de "mal-estar", "desencanto" e "stress" profissionais, e muitos são os estudos de elevada credibilidade que revelam precisamente esses sintomas e efeitos do desgaste ou erosão profissionais.

É que, em boa verdade, todos sabemos, e já o repetimos até à exaustão, que a formação de professores, enquanto processo que visa a mudança, correrá sempre o risco de encontrar resistências. Umas, catapultadas por determinados "períodos" psico-profissionais que os docentes atravessam. Outras, resultantes das políticas educativas, da estrutura organizativa da escola, do estatuto regulador da carreira, e (porque não?), do próprio processo como essa formação foi levada junto dos docentes, de modo mais ou menos impositivo.

Não é menos verdade que, mesmo quando a adesão a iniciativas inovadoras é voluntária, a ausência de finalidade de alguns projectos de reforma (pontuais ou estruturais), a ausência de avaliação do processo e dos produtos realizados, a política "do alterar, pelo alterar", também têm contribuído para o "desinteresse", o "afastamento" e até a "resistência" de muitos dos docentes que, à partida, se galvanizaram nesses projectos.

Infelizmente, são demasiados os casos em que os professores se encontravam em ciclos da carreira de desinteressada dádiva ao sistema, à escola e aos alunos, e que os levaram a optimizar o seu investimento pessoal, uma e outra vez, até que o desencanto os contaminou, inesperadamente. Acresce ainda que o sistemático retomar de promessas incumpridas de verdadeira descentralização do sistema educativo, e a negação de se atribuir mais poder de decisão aos professores e às escolas, também têm contribuído para que a resistência se enquiste no sistema, transformando as sinergias naturais em processos de entropia, por vezes incontroláveis.


À falta de poder e de controlo dos professores, no que respeita ao seu trabalho, transformando-os em simples executores de decisões tomadas por hierarquias distantes e sem rosto (a partir das quais as "ordens" se tornam impessoais e difusas, e em que as responsabilidades se diluem), tem conduzido à progressiva desprofissionalização dos professores.

E atribui-se essa situação a muitos factores: o cansaço físico e moral, a falta de reconhecimento social do papel dos docentes, a falta de protecção perante o vandalismo e a violência com que acrescidas vezes se deparam nas escolas, a falta de recursos, os horários inadequados à sua função formadora, a escassa formação para gerir novos programas, a pressão dos pais e outros agentes sociais, a intensificação da atribuição de novas tarefas e funções, a perda do seu estatuto remuneratório…

Esta desprofissionalização, que alastra em boa parte dos sistemas educativos europeus, é uma das razões apontadas para a criação de um progressivo clima de mal-estar nos sistemas educativos. Pelo que é necessária alguma clarividência para conhecer os factores que fazem peculiar o acto educativo, reconhecendo-se a necessidade de procurar as causas estruturais que condicionam essas situações vivenciadas pelos docentes, já que os professores devem ter expectativas ajustadas às suas possibilidades.

Apesar dos êxitos e dos fracassos se alternarem na sua actividade, os docentes deveriam manter expectativas positivas e o entusiasmo que os faz correr ao encontro de novos caminhos e da utopia, mantendo a força das ilusões, apesar dos fracassos circunstanciais. E até porque não se mudam instituições sem mudar as práticas que as produzem no dia-a-dia.

Daí que todas as iniciativas que ajudem a promover a auto-estima dos docentes e o seu bem estar profissional se revelem indispensáveis para combater o desalento que grassa em boa parte das nossas escolas e que se arrisca a minar, irremediavelmente, o sistema educativo português.



Este texto não segue o novo acordo ortográfico

quinta-feira, 21 de junho de 2018

Respondendo a Miguel Sousa Tavares – Anabela Bragança


Não resisto a publicar aqui uma carta aberta brilhantemente escrita pela colega Anabela Bragança a propósito de um artigo de opinião de um "comentadeiro" da praça e que normalmente se dedica a debitar "vómitos" relativamente à classe docente, sem estar minimamente informado sobre o que escreve.



Caro Miguel 

Desde já peço desculpa pela familiaridade do trato, mas como nos conhecemos tão bem sinto-me no direito de ser mais tu-cá-tu-lá consigo. Li o seu artigo sem adulteração, aquele do Expresso do último sábado, do dia 15 de Junho de 2013. Escrevo a data completa porque a quantidade de textos que debita poderiam criar na sua cabeça alguma confusão sobre o espaço temporal a que me refiro. Devo dizer que é um texto bem escrito, daqueles que se aprendem a escrever quando se tem uma professora à moda antiga, das que nos ensinam a amar o saber e fazer da vida uma busca continua desse mesmo saber, das que nos ensinam a ter espírito critico, das que nos ensinam a pensar e a usar com racionalidade essa fundamental característica que é uma das que nos distinguem das restantes espécies da Classe Mammalia. Como se deu ao trabalho de fazer uma breve introdução romanceada do seu percurso pelo primeiro ciclo, então escola primária, vou, também eu, essa breve introdução, sem as figuras de estilo que o Miguel usa, porque em mim a escritora não pode florescer por falta não de vocação que essa até tenho, mas de tempo, e a seu tempo entenderá o porquê. Então vejamos, em 1976 entrei na escola primária. A escola que me acolheu, uma das obras positivas do tempo assumidamente autocrático, era linda, branca, com casas de banho que por acaso não funcionavam mas estavam lá, com as paredes preenchidas pelos trabalhos de desenho dos meus colegas mais velhos que a minha arte ainda não se tinha manifestado. Sabe porque é que a minha escola era linda? Porque eu não sou filha de nenhuma escritora, nem nenhum deputado, nunca os meus olhos tinham visto tanto livro junto, e refiro-me a meia dúzia que havia lá pela minha escola de aldeia, longe de Lisboa e do Porto. Sabe Miguel, acredito que pense efectivamente que sabe, ou não tivesse sido aluno da D. Constança, as vivências da realidade são diferentes de ser humano para ser humano, e por isso o quadro feio e negro da escola do Miguel pode ser belo e muito colorido para alguns dos seus colegas de carteira. Mas deixemos isto e continuemos na saga do meu percurso escolar. Tal como o Miguel também na minha escola éramos muitos, tanto que nem me lembro do número, será porque isso nunca foi relevante? É que das pessoas ainda me lembro bem, das brincadeiras também, das aulas também… As duas salas estavam sempre cheias, como um ovo, havia dois turnos de aulas com 4 professoras, duas de manhã e duas de tarde. A mim calhou a D. Maria Isabel, uma mulher linda, com o seu cabelo cinzento e os lábios pintados de uma cor fabulosa, um tom de laranja doce. A D. Maria Isabel acabou de me ensinar a ler, que alguma coisa a minha teimosia já me havia feito aprender. Sabe Miguel, em algumas situações a teimosia é uma característica boa, de tal forma que no final do primeiro período já eu substituía a minha avó na leitura de “O amigo do Povo” às suas comadres analfabetas. Vou agora refrescar-lhe a memória em relação ao que era o primeiro período: – período de tempo que mediava entre Outubro e meados de Dezembro, suponho que entende o que lhe estou a dizer, mas se não informe-se junto de alguns psicólogos e pedagogos credíveis. Abreviando um pouco, e quase para terminar este parágrafo, devo dizer-lhe que a minha professora foi tão boa que em 3 anos resolveu comigo as questões que para muitos se resolviam em 4, e para outros muitos em mais de 4. Tal como a sua, também a minha deixou em mim um apetite voraz para as letras, chamava-me “papa livros” tal era a minha voracidade, e todas as semanas, levava de Coimbra para mim muitos livros. A minha professora Maria Isabel era uma mulher completa com marido, 3 filhos, sendo um surdo-mudo, pais e sogros. Vivia do seu trabalho e como tal faltou algumas vezes, pois não tinha possibilidades económicas para delegar responsabilidades. Mas sabe o que lhe digo, foram muitos os alunos que mandou para a universidade, que hoje até lêem o que o Miguel escreve com espírito crítico. Neste momento poderia considera-lo um mentecapto e situar este comentário no seu texto brilhante, mas não o vou fazer, porque o Miguel também teve uma boa professora na escola primária.
 

Mudando de parágrafo e de assunto, tal como o Miguel, sei que o país está à beira da bancarrota, mas na minha família só o direito ao voto responsabiliza por essa situação, sabe porquê? Nunca nenhum dos meus progenitores ocupou lugar em nenhuma das cadeiras da Assembleia da Republica, por partido nenhum quanto mais por dois e ainda mais relevante, nunca nenhum dos meus progenitores foi ministro. Sinto muito Miguel por ter que lhe lembrar que algumas das responsabilidades da miséria que crassa por esse Portugal fora tem genes que lhe foram a si entregues. Mais ainda, na minha família toda a gente produz, desde tenra idade. Sobre trabalho o Miguel, por certo, teria muito a prender comigo e com os meus. 

Voltemos agora ao ainda cerne desta questão, a greve dos professores. Sabe Miguel, depois de ler o seu texto, volto a dizer, sem adulterações, fiquei a pensar se o seu sistema digestivo seria igual ao dos restantes mamíferos. E confesso que esta duvida já me assaltou algumas vezes frente aos seus escritos. Em relação aos professores o Miguel não sabe nada do que pretende dizer, seria bom e revelador de algumas sinapses activas, que se calasse até conseguir saber sobre o que se pronuncia. Eu sou professora, há já muitos anos, executo a profissão que sempre quis ter, lá por causa da minha rica professora Maria Isabel, e trabalho que me desunho, e não falto, e estou disponível para os meus alunos até para ser mãe. O meu horário semanal ( e o da maioria) tem sempre muito mais do que as 40 horas agora na moda, tenho que me preparar, nem sequer para cada ano é mesmo para cada turma, pois são sempre diferentes os alunos e as suas interacções; tenho que os avaliar, e isso exige muito pois sou acérrima defensora da avaliação formativa; tenho que tentar manter-me actualizada pois lecciono uma disciplina das ciências mais vanguardista, e isso requer muito tempo ( percebe agora porque não me dedico mais à escrita?). Eles, os meus alunos, que são quem me importa, sabem disso! Acho de uma arrogância tola o Miguel vir pronunciar-se sem saber do que fala. Eu também sou leitora e agora vou aqui falar de um escritor medíocre que já li. Vou tecer comentários sobre obras e escrita que conheço, não sobre números de origem duvidosa! O Miguel escreve com a qualidade necessária para ser comercial, isto é para ganhar dinheiro, muito por sinal. Quer assumir-se como um Eça? Sabe que está a anos luz, sobra-lhe a capacidade descritiva, mas falha nos pormenores, vou dar-lhe um exemplo concreto: descreve cenas de sexo/amor com minúcia, mas impraticáveis por imposição das leis da física. Tenta ser um critico social, mas o seu azedume natural tira-lhe a graça e a leveza que tornam Eça sempre actual. Poderia continuar mas acho que já consegui perceber onde quero chegar. O Miguel é um escritor medíocre, mas isso não faz com que todos os escritores de Portugal o sejam, repare a sua mãe até ganhou um prémio Camões. Até sei que vai pensar que estou a ser ressabiada, será um argumento de defesa legítima uma vez que o estou a atacar, mas totalmente desprovido de verdade. Entenda o que lhe quero dizer de forma clara, há professores medíocres mas a maioria é bastante boa, empenhada e esforçada. Esta greve serviu apenas para mostrar ao governo que o caminho da mentira e do enxovalhamento publico tem que acabar. Os direitos dos alunos estão a ser salvaguardados, é certo que temos menos alunos, mas também é certo que cada ano as turmas são maiores e os problemas sociais, que entram sempre pela sala de aula dentro, são cada vez mais. Sabe Miguel, seria mais proveitoso para os alunos trabalhar em salas com menos crianças/jovens e consequentemente menos problemas do que em salas cheias até à porta. Sabe que assim poderíamos desenvolver o espírito critico desses jovens e aí as coisas mudavam um pouco… Já imaginou um pais em que a maioria dos cidadãos tivesse espírito critico? Imagina o destino que seria dado aos medíocres? Acha que haveria lugar a tantas PPP’s? Acha que o dinheiro do Estado Social ( faço aqui um parêntesis para lhe dizer o que é o estado social, que eu sustento: EDUCAÇÃO, SAUDE e SEGURANÇA SOCIAL) seria desbaratinado em manobras bizarras sem que fossem pedidas contas? Acha que os gestores das empresas publicas que acumulam prejuízos continuariam a ser premiados? Acha que se assistiria a uma classe politica corrupta, incompetente e desavergonhada de braços cruzados? Acha que haveria prémio para a mediocridade de textos que vendem como cerejas à beira do caminho? Ai Miguel depois destas questões até o estou a achar inocente… acabei de ficar com aquele sorriso que dou aos meus alunos travessos, mas simples, só que para eles é para os conduzir ao bom caminho, para si é mesmo com condescendência. 

Falou no seu texto no estado calamitoso em que se encontram as contas públicas, e sou forçada a concordar consigo, só tenho pena que apenas consiga ver o erro, e lhe falte a coragem para imputar responsabilidades. O país está neste estado por causa dos decisores políticos e dos fazedores de opinião, entre os quais o incluo. A má gestão é que nos levou a este marasmo, não fui eu, nem os meus pais. Desde muito jovem que justifico o que como, foi assim que fui educada, é assim que educo os meus filhos e até os meus alunos, dentro do possível. Da má gestão posso ser responsabilizada por votar, mas sempre o fiz em plena consciência, acreditando que dava o meu voto a um ser humano digno. E continuo a fazê-lo! Quanto aos fazedores de opinião é um problema acrescido, porque esses nascem do nome que carregam, tal como o Miguel bem sabe. Por isso lhe digo em jeito de conclusão, este texto só será lido em blogues, porque o apelido Bragança não me abre as portas dos jornais. Fique bem Miguel e quando não conseguir mais dormir, por ter tomado consciência da sua responsabilidade pessoal no estado em que se encontra o país, não pense logo em suicídio, tome primeiro Valeriana e se não resolver tome Xanax.

Anabela Bragança, professora de Biologia, ainda com alegria e orgulho!

Coimbra, 19 de Junho de 2013

quarta-feira, 20 de junho de 2018

Legislação da Educação


Despacho n.º 6020-A/2018 - Diário da República n.º 116/2018, 1º Suplemento, Série II de 2018-06-19

Educação - Gabinetes da Secretária de Estado Adjunta e da Educação e do Secretário de Estado da Educação
Determina a aprovação dos calendários, para o ano letivo de 2018-2019, dos estabelecimentos públicos de educação pré-escolar e dos ensinos básico e secundário, dos estabelecimentos particulares de ensino especial, bem como o calendário de provas e exames dos ensinos básico e secundário.

Despacho Normativo n.º 10-A/2018 - Diário da República n.º 116/2018, 1º Suplemento, Série II de 2018-06-19

Educação - Gabinetes da Secretária de Estado Adjunta e da Educação e do Secretário de Estado da Educação
Estabelece o regime de constituição de grupos e turmas e o período de funcionamento dos estabelecimentos de educação e ensino no âmbito da escolaridade obrigatória.

terça-feira, 19 de junho de 2018

Guia Geral de Exames (2018)


Começou ontem a época de exames!

Direção Geral da Educação e Júri Nacional de Exames disponibilizaram em fevereiro o Guia Geral de Exames 2018. Através do mesmo os professores e alunos poderão obter informações acerca dos exames e do acesso ao Ensino Superior.

domingo, 17 de junho de 2018

E isso dá para quê?


Têm-me perguntado várias vezes porque escolhi o curso de Física. A resposta breve é que escolhi porque gostava dessa área. A ciência tinha-me atraído logo desde o início do liceu. Essa atração foi crescendo com a leitura de obras de divulgação científica, como as de Rómulo de Carvalho, o professor de Físico-Química que foi também poeta sob o nome de António Gedeão. Escolhi a física porque, para além de gostar das respetivas aulas (os bons professores são sempre referências!), encontrei nela mistérios que eu queria desvendar. Se, como me ensinavam, o mundo é feito de átomos, eu queria saber o que existia dentro destes: o núcleo atómico, as partículas do núcleo. Eu queria afinal saber de que são feitas as coisas e por que razão elas são como são. E, pensava eu com os meus botões, eu próprio poderia porventura ser um participante da “história do átomo”, o esforço humano para perceber a realidade atómica.

Foi um sonho concretizado. Haveria, nove anos volvidos sobre a minha entrada na Universidade de Coimbra, de me doutorar em Física Teórica pela Universidade Goethe, em Frankfurt, com uma tese sobre a cisão nuclear. Lembro-me de o meu pai me ter perguntado quando eu disse, aos 16 anos, que me ia inscrever em Física: “E isso dá para quê?”. Bom, “isso” deu para ser “físico nuclear”, uma profissão que, na época (antes de Chernobyl) tinha um prestígio mais ou menos equivalente ao de neurocirurgião. Passei a investigar e a ensinar na minha alma mater. Desde aí tenho dedicado a minha vida não só a saber mais, mas também à transferência de saber, através de palestras nas escolas, manuais escolares, livros de divulgação, intervenções nos media, etc. Estou muito feliz por ter escolhido Física: pude realizar investigação não só em Portugal, mas pelo mundo, em sítios fantásticos como Copenhaga, New Orleans e Bilbau, contribuindo, ainda que de forma diminuta, com conhecimento novo. E pude também, como professor e divulgador de ciência, ajudar sucessivas levas de jovens a descobrir a física, ou mais em geral a ciência, a “bela senhora” que me tinha atraído em jovem.

A “bela senhora” continua hoje tão atraente como ontem. Estudantes do ensino secundário perguntam-me muitas vezes que curso devem seguir. Respondo sempre para fazerem como eu, irem atrás do seu sonho. Bem sei que há pessoas que ainda hoje perguntam, como o meu saudoso pai, “isso dá para quê?”. Mas acho que não se deve entrar num curso com grandes conjeturas sobre o futuro profissional e o rendimento económico. Acima de tudo temos de ser fiéis a nós próprios, seguir os nossos talentos, não trair a nossa vocação. Claro que o talento não é tudo. É preciso esforço, um esforço persistente. Mas só o sonho pode garantir essa persistência. A frase de Edison é famosa: “O génio é 1% inspiração e 99% transpiração.”

No meu curso de Física fomos só quatro os finalistas. Hoje dou aulas aos cursos de Física e Engenharia Física na Universidade de Coimbra, onde entram cerca de 50 novos alunos em cada ano. Estes cursos não têm praticamente desemprego. Entram poucos, mas saem bem preparados quase todos os que entraram. O mesmo se passa em cursos semelhantes noutras Universidades do país. Uns encontram emprego no país e outros fora do país, uma vez que a preparação recebida é uma bagagem universal.

A riqueza das nações vem hoje, mais do que nunca, do conhecimento. Falei dos cursos de Física e Engenharia Física, mas poderia falar de outros de ciências e engenharia, Química e Engenharia Química, Ciências da Vida e da Terra e tecnologias associadas, Engenharia Civil, Mecânica, Eletrotécnica e Informática, Biomédica, do Ambiente, etc. A ciência e a engenharia são essenciais na sociedade contemporânea. Nunca existiram tantos cientistas e engenheiros como hoje, porque nunca tanta gente precisou tanto quanto precisa hoje das benfeitorias que essas profissões fornecem. O futuro é incerto, mas há uma coisa que é certa: vamos precisar de mais ciência e tecnologia para resolver problemas da habitação, das comunicações, da alimentação, da saúde, da energia, do ambiente, etc. e alcançar maior bem-estar. Em todas essas áreas existem desafios, sendo necessário para os enfrentar uma preparação sólida em ciências que, começando no jardim de infância, continua no ensino básico e secundário e depois, desejavelmente, no ensino superior.
Nem todos virão a ser cientistas, mas todos podem e devem adquirir uma compreensão sólida sobre o funcionamento do mundo de modo a fundamentar bem as suas escolhas, na vida individual e coletiva.

Carlos Fiolhais
Professor de Física da Universidade de Coimbra

sexta-feira, 15 de junho de 2018

O problema da avaliação de professores é que não é honesta!



A propósito do afunilamento iniciado por MLR e continuado por NC, com a complacência dos Sindicatos, o Alexandre Henriques considera que a avaliação dos professores, aos olhos de quem nos governa, é isso mesmo, um funil. E avaliar é muito mais do que isso… palavra de professor.

Depois do compromisso não cumprido por parte do Ministério da Educação (ME), em que prometeu recuperar todo o tempo de serviço congelado, podia o Governo ter aproveitado esse momento para propor alterações à carreira e à avaliação docente. Do ponto de vista do Governo seria o momento ideal, mas o crivo de Mário Centeno obrigou a uma inversão de discurso por parte do ME, pois só isso justifica o negar de algo que ficou escrito.

Tenta-se agora colar o argumento da carreira/avaliação para tentar desviar atenções da avalanche que caiu em cima do PS, fruto de uma péssima política de comunicação do ME que, só por si, justifica os meses de silêncio que impõe a si próprio.

Mas vamos falar sobre o assunto sem tabus e sem rodeios.

A avaliação dos professores é justa? A avaliação dos professores valoriza os melhores? A avaliação dos professores permite melhorar o desempenho docente? A avaliação dos professores permite afastar os maus professores? A carreira dos professores está bem estruturada? Não, não, não e não.

Convém recordar que, os sindicatos e Nuno Crato alteraram a avaliação dos professores, substituindo-a, na maioria dos casos, por um documento de três páginas, ridículo, que não passa de um momento de auto bajulação, muitas vezes em formato copy/paste, onde se muda a distribuição de serviço e pouco mais. Muitos gritaram “vitória”, era o fim dos professores titulares que avaliavam professores, colegas, sem serem reconhecidos como tal. Se a falta de preparação/isenção era um motivo relevante, o principal motivo e que até hoje persiste é a utilização da avaliação dos professores montada para ser um obstáculo à progressão na carreira. A avaliação dos professores, aos olhos de quem nos governa, é isso mesmo, um funil. E avaliar é muito mais do que isso… palavra de professor.

Além disso, tem sido utilizado o argumento que os professores progridem de quatro em quatro anos, ao contrário dos restantes funcionários públicos que progridem de dez em dez. Se querem equiparar e tendo em conta que os professores têm na sua carreira dez escalões, estes demorariam 100 anos a atingir o topo da carreira, já não contando com o congelamento de dez anos e as quotas do costume.

Querem mexer na carreira, força! Mas lembrem-se que estudos internacionais indicam que os professores portugueses são dos mais mal pagos em início de carreira e só no topo estão ao nível dos restantes países ou um pouco acima. A ideia de reformular a carreira docente é para nivelar por baixo, por cima, é para quê? Eu e o leitor sabemos naturalmente a resposta…

A recuperação de todo o tempo de serviço docente está a criar um problema efetivo ao Governo mas, brevemente, podemos estar perante um terramoto político. Porquê? Está a decorrer uma Iniciativa Legislativa de Cidadãos (ILC) que vai obrigar os partidos a demonstrar a sua coerência já que, há alguns meses apenas, recomendaram ao Governo, deputados do PS incluídos, a recuperação de todo o tempo de serviço dos docentes portugueses. Ao mesmo tempo, decorre uma greve rebelde, que fugiu ao controlo das principais estruturas sindicais e que, com tudo somado, vai seguramente perturbar o “aquecimento” para o próximo Orçamento do Estado, o último antes das eleições legislativas…

É verdade que existem alguns professores que não o deviam ser, mas também é verdade que existem muitos extremamente competentes e dedicados. Não se motiva ninguém, dizendo a 20 que só um pode progredir, e lembro, ao contrário das outras profissões, os professores desempenham as mesmas funções, logo a lógica do funil, pirâmide, chamem-lhe o que quiserem, não funciona com os professores.

Reconhecer a competência de quem avalia os professores é também um problema. Não pode ser o colega da sala dos professores, não pode ser o colega que vai lá a casa e que os filhos partilham brincadeiras. Uma avaliação justa implica uma independência emocional. Por isso proponho que seja criada uma carreira específica e que já devia estar a ser preparada. Caso não seja essa a opção, o caminho só pode ser a utilização dos professores mais experientes (a partir dos 60 anos), que até podem deixar de lecionar se assim entenderem e dedicarem-se ao acompanhamento de professores mais novos, utilizando a sua longa experiência como um farol para quem ainda tem muitos anos pela frente.

Não existem decisões fáceis, mas a carreira e avaliação dos professores deve ser encarada de frente, com honestidade e com o objetivo de valorizar o profissional professor e melhorar o seu desempenho. Claro que tudo isto é muito bonito, e também eu tenho momentos em que salto de nuvem em nuvem tocando uma harpa celestial, levando depois uma chapada da realidade, onde a dívida, e outros condicionalismos, empurram o que deve ser para o que tem de ser. Só que no meu mundo ideal, todos os intervenientes deste processo são verdadeiros, os professores assumem que a avaliação precisa de ser melhorada e até trabalham com a tutela. O ME, por sua vez, assume que não pode pagar a todos uma carreira até ao 10.º escalão, pois existem interesses financeiros que precisam de ser protegidos – a banca, as PPP, as fundações, as comissões, os juros da dívida, os amigos, os amigos dos amigos… –, mas, no meu mundo perfeito, o nosso dinheiro é bem gerido e não chegámos ao ponto que chegámos…

Agora, é vê-los no “seu mundo perfeito”, esgrimindo argumentos da/na sua realidade alternativa, onde os reais propósitos ficam por dizer e a realidade que todos conhecemos fica longe das negociações, esquecida e sem ser assumida…

A perfeita imperfeição dos seus mundos (im)perfeitos.

quinta-feira, 14 de junho de 2018

Mude de oráculos, Dr. António Costa!


Era bom que Costa pensasse no que aconteceu a Sócrates quando os professores se cansaram.
“O pão que sobra à riqueza, distribuído pela razão, matava a fome à pobreza e ainda sobrava pão.”
António Aleixo


Não tenho pejo em assumir que a relação que mantenho com os problemas da minha profissão de professor ganha muitas vezes prevalências sentimentais, porque esta actividade profissional não se resume a um emprego como tantos outros. O seu exercício afirma uma identidade e expõe obrigatoriamente quem somos. Em milhares de colegas, com quem tive e tenho a honra de trabalhar, sempre vi dedicação para dar o que de melhor tinham e têm. Quando os maltratam, só posso estar, incondicionalmente, do lado deles.

1. Quando António Costa, qual discípulo de Vítor Gaspar, disse aos professores que “não há dinheiro”, fê-lo porque o governo a que pertenceu e o seu senhor de outros tempos contraíram uma dívida, vendendo o país e a sua autonomia para enriquecimento de uns tantos, a quem ele, António Costa, não disse, nem diz: não há dinheiro! Se isto já é suficientemente escandaloso, mais escandaloso ainda é que haja quem faça coro com a narrativa, quando todos sabemos que as ajudas do Estado aos bancos somam 17,5 mil milhões de euros.

Em retórica política e ideológica, o desconstrucionismo é um método que permite substituir o significado de um texto ou de uma realidade por uma narrativa falsa, convenientemente urdida. António Costa é um exímio desconstrutivista que, apesar de já ter tropeçado muitas vezes na verdade, logo prossegue o caminho como se nada tivesse acontecido. Não me surpreende, por isso, que tenha instruído o pequeno ministro da Educação para entortar a Lei do Orçamento do Estado para 2018, a resolução n.º 1/2018 da AR e o compromisso de 18 de Novembro de 2017. Quem lhe siga o jogo de cintura já viu como lida com as leis: para os adversários, aplica-as; quando são os amigos ou os seus interesses que as infringem, “melhora-as”, “aperfeiçoa-as” ou manda “interpretá-las”.

Era bom que Costa pensasse no que aconteceu a Sócrates quando os professores se cansaram, substituísse as banalidades que diz pelo estudo do problema que tem a rebentar-lhe nas mãos e mudasse de oráculos.

2. As greves dos professores são sempre acompanhadas por homilias pseudo-moralistas sobre os seus “interesses corporativos”. À posição do Governo neste psicodrama, que tem por fim a ideia inverosímil de destruir a carreira dos docentes, recuperando os caminhos do ódio do tempo de Maria de Lurdes Rodrigues, podia dar uma arrogante resposta, tipo serem precisos três Costas e dois Tiagos encavalitados para chegarem aos calcanhares dos professores. Mas vale mais ser pedagógico e explicar do que falamos.

Tomemos por exemplo a situação de um professor que entrou na carreira em 2005. Quando assinou o contrato com o Estado foi-lhe dito que, se cumprisse o que a lei estabelece, estaria hoje no 7.º escalão. Ele cumpriu mas o Estado não. Está no 2.º escalão e, contas por alto e tudo somado, o Estado ter-lhe-á ficado com cerca de 50.000 euros, pagando-lhe hoje, com mestrado ou doutoramento por habilitação, 1200 euros mensais por semanas de trabalho real que se aproximam das 50 horas. Este professor não está a pedir que o Estado lhe devolva o que unilateralmente lhe retirou. Está a exigir, apenas, em conformidade com a lei vigente, os efeitos futuros de um tempo que foi trabalhado, ainda assim repartidos por vários anos vindouros.

3. A narrativa contabilística do Governo sobre a repercussão da contagem de todo o tempo de serviço nas contas públicas é enganadora. Começa por escamotear que boa parte dos salários nominais corrigidos pelo descongelamento volta de imediato aos cofres do Estado, via IRS e contribuições obrigatórias para a CGA e ADSE. Estaremos a falar, como é sabido, de uma percentagem variável, mas que nunca é inferior a 30%. Estivessem certos os propalados 600 milhões e mirrariam para, pelo menos, 420. Mas não estão. Com efeito, quando o Governo compara os dois anos e nove meses que propôs (e agora retirou em cavernícola chantagem) com os nove anos e quatro meses que os sindicatos reclamam, estabelece um raciocínio que multiplica o número a que chegou por um factor tempo, proporcional. Ora tal proporcionalidade não existe; o custo não quintuplica porque o tempo quintuplica. Tão-pouco podem as contas ser feitas como o Governo as faz, isto é, partindo do princípio que toda a gente muda imediatamente de escalão. Obviamente que não muda, já porque há ciclos em curso, longe do fim, já porque na passagem do 4.º para o 5.º escalão e do 7.º para o 8.º existem garrotes limitativos que só o Governo controla, arbitrariamente. E como se o anterior não bastasse, aos vácuos bestuntos dos contabilistas de serviço assomou ainda a ideia de apresentar, como sendo de hoje, números que, se estivessem certos, só se verificariam em 2023. Como se o impacto médio que a dinâmica do crescimento dita não fosse muito menor!

Dr. António Costa, permita-me um conselho, porque a realidade da vida dos portugueses é muito menos cheia de prosápia do que o seu discurso irritante: não volte ao palanque do Parlamento para nos dar lições de contabilidade criativa. A sua responsabilidade política na produção destas aleivosias foi uma aula prática mais que bastante!

4. Sobre o anterior, comentadores e cronistas, vindos da idade do gelo de Sócrates e Passos Coelho, dizem e escrevem vulgatas que tilintam como ouro aos ouvidos dos prosélitos. Eles torturam a verdade e põem a mensagem a dizer o que lhes interessa. Eles sabem que a sequência das mentiras gera na comunicação social desistente a tendência para as repetir, não sendo sinal de saúde ver boa parte dos jornalistas adaptados a esta prática doentia. Por outro lado, é doloroso constatar como na nossa sociedade há audição para comentadores e cronistas intelectualmente desonestos, peritos em transformar simples bullying político e ideológico em manifestações de consciências bem pensantes. Um Trump qualquer apreciaria muito a cruzada sectária e enviesada desta gente, que toma os professores por sacos de boxe. Mas as pessoas sérias só têm que a denunciar e combatê-la como praga infestante da opinião pública.

Ouvir (SIC) Miguel Sousa Tavares dizer que os professores querem subir três vezes mais rápido que os restantes funcionários públicos, enquanto as operárias de uma fábrica de Rabo de Peixe estão como estavam há 46 anos, espelha a eloquência e o rigor dos analistas que se acomodam com um país rico em pobreza.

Ler (Notícias Magazine) que o ministro da Educação fundamenta a sua competência no facto de ter passado toda a vida rodeado de professores, alguns dos seus melhores amigos e a maioria dos amigos dos seus pais serem professores, no activo ou já aposentados, para concluir que, por isso, o mundo das escolas e o mundo vivido pelos docentes não lhe é estranho, esclarece, de modo cartesiano, a quem Costa entregou a pasta da Educação.

Abençoado país que tem governantes com tais créditos e é informado por um jornalismo tão exigente!

5. Deixo vénia ao STOP e à sua greve rebelde, que fugiu ao controlo dos sindicatos do sistema. Toco a reunir as assinaturas que faltam para obrigar o Parlamento a votar a Iniciativa Legislativa de Cidadãos para Recuperar todo o Tempo de Serviço Docente. Juntos, talvez tenham posto fim à luta mansa dos professores.

quarta-feira, 13 de junho de 2018

Revolução na Educação!


Os sistemas educativos atualmente afastam as pessoas dos seus talentos naturais. Os recursos humanos são como os recursos naturais, estão geralmente no seu interior, temos de os procurar/encontrar, não estão à superfície não são facilmente visíveis.

Temos de criar as circunstâncias certas para que eles se manifestem, poderíamos pensar que esse seria o papel da educação, mas infelizmente isso não acontece.

Todos os sistemas educativos do mundo estão, frequentemente, em reformas, mas isso só não chega.

As reformas em si não servem a ninguém porque simplesmente é um arranjo de um sistema falido.
O que nós precisamos na educação não é uma evolução mas sim uma revolução.

Um dos desafios reais é inovar o fundamento dos sistemas educativos. Inovar é difícil porque significa fazer alguma coisa que para a maioria não é coisa simples. Significa meter em discussão tudo aquilo que damos como certo, as coisas que achamos óbvias.

O grande problema das reformas ou das transformações é a tirania do senso comum, quando as pessoas pensam: "Bem, sempre se fez assim não é agora que vamos mudar". Parece-me pertinente citar Abraham Lincoln (1862) que diz:"os dogmas do passado tranquilo são inadequados à tempestade presente, a situação está cheia de dificuldades e por isso devemos estar à altura da situação", e continuou "o nosso caso é novo por isso temos de pensar e de agir de um novo modo, temos de nos emancipar e só assim salvaremos o nosso país".

Continuamos hoje a fazer o que se faz há anos, apenas reformando/retocando aqui e ali mas nunca revolucionando o paradigma do sistema educativo, nem todos temos de ir para as universidades.

As comunidades humanas dependerão da diversidade de talentos não de uma formatação em massa, nem de uma concessão de habilidade singular.

E o coração dos nossos desafios é reconstruir a ideia de habilidade e de inteligência.

A universidade não pode começar na creche, a creche começa na creche, cada coisa a seu tempo.
Mas a competitividade é tão grande para entrar na creche certa, na escola certa que há entrevistas aos 10 anos, há testes de admissão, quase a pedirem a apresentação do currículo!

Outro grande problema é o conformismo, construímos os nossos sistemas educativos com o modelo de "fast-food", ou seja estandardizado. Deveríamos ter optado pelo modelo "Guia Michelin" onde nada é estandardizado, tudo é personalizado segundo as características locais.
Fomos levados por este sistema, "fast-food", que nos está a empobrecer o espírito e a energia, assim como o fast food deteriora o nosso organismo.

Acho que devemos reconhecer algumas coisas, antes de mais que o talento humano é tremendamente diversificado, as atitudes das pessoas são muito diferentes e que o talento é natural, basta que seja desenvolvido.

Mas também se trata de paixão, dificilmente alguém conseguirá desenvolver um dos seus talentos se não tiver paixão, e é isto que entusiasma o nosso espírito e nos dá energia.
Se fazem as coisas que amam e para as quais tem talento o tempo parece aumentar, uma hora parecem cinco minutos.

Quando se faz algo de que não se gosta é o inverso, cinco minutos parecem uma hora, e é por esta razão que tantas pessoas renunciam a escolarização, renunciam instrução e o próprio sistema educativo, porque o que este lhes oferece não alimenta a sua energia nem a sua paixão.

Devemos por isso passar de um modelo industrial do sistema educativo, baseado em conformismo, linearidade e segmentação das pessoas, para um modelo de produção mais baseado nos princípios da agricultura, pois o crescimento humano não é mecânico mas sim orgânico.

Não se pode pedir o resultado final do desenvolvimento humano, tudo o que podemos fazer, como faz o agricultor, é criar as condições dentro das quais começarão a crescer e a desenvolver.

Por isso, quando pensamos em reformar e transformar a educação não podemos pensar em clonar um sistema, mas sim de personalizar à nossa situação, e sobretudo personalizar às pessoas a quem se está a ensinar.

Poderá ser este um caminho?

Fonte: Alberto Verosnesi em Na minha opinião...

sexta-feira, 8 de junho de 2018

O Cartoon do Prof-Folio: Para que serve… uma Resolução?!


"Eu, professora, me confesso"



Vale a pena ler a carta aberta da colega Paula Pais!
Trata-se de um desabafo que poderia perfeitamente ser feito por qualquer um de nós, um desabafo em que cada um de nós, professores nos revemos.
É urgente que todos os professores se unam em defesa da sua dignidade profissional!

Venho para a escola como num transe. Dormi mal pela enésima vez desde há meses. Estou a passar uma fase menos positiva em termos de saúde, com muitos altos e baixos, mais baixos do que altos. E não consigo alhear-me do que se passa à minha volta. 
Já não tenho vinte anos. Com efeito os sessenta aproximam-se a passos largos e portanto, como se diz habitualmente, “já não vou para nova”.
No meu local de trabalho, esta é uma realidade que se avoluma. Muitos, tantos dos professores que conheço e que conhecem quem eu conheço, também andam por estas idades. Há mesmo escolas em que a média etária está acima dos sessenta. O desgaste é notório e agrava-se, de modo galopante, a cada novo ano. 
Estamos naquele tempo da vida em que seria justo beneficiarmos de alguma serenidade, de algum reconhecimento até, de respeito e consideração. Aliás, a todos, todos sem exceção, de qualquer faixa etária e de qualquer profissão é devido este conjunto de atenções. Diria apenas que, com o passar do tempo, eles se avolumam na necessidade e na premência.

Mas essa não é a realidade. Existe no ar uma ameaça velada, um ataque permanente contra os professores. Como um monstro que vive num lodo, do qual se alimenta e que, a espaços, ressurge em toda a força, ávido de presas, esganado de fomes e de raivas.
E ninguém percebe bem de onde vem ou porque nasceu. Também poucos serão os que entendem de que se alimenta nas fases de semiadormecimento em que se esconde, aguardando novas vítimas. Mas está lá. Atento. Aguardando o momento certo para atacar de novo.
Fala pela boca de políticos perversos, de comentadores insanos, da opinião pública desinformada que incorpora mediunicamente e repete, como que hipnotizada, os impropérios e as agressões que escutou algures a alguém. Ataca em bloco determinadas classes profissionais porque tem de exorcizar o seu mal-estar, a sua dor e a sua infelicidade. E os verdadeiros responsáveis sabem bem disso. Conhecem-lhes bem as fraquezas. Estudam-nos de há muito e riem-se na sombra perante o sucesso da manipulação. Neste caso a onda recai novamente sobre os professores, acusados de ser os mais vis seres que há na Terra, incompetentes, incapazes, impreparados, negligentes, sem vocação, preguiçosos, maus, impacientes…
É como se uma lava surgisse da boca de mil vulcões contra nós. E, como num pesadelo incompreensível e caótico, se multiplicassem as chaminés vulcânicas até ao infinito.
Os professores passaram a ter as culpas dos males do Mundo. E o Mundo que não pára para pensar, aplaude e adere à hedionda causa formando turbas assustadoras.
Por isso, entre outros fatores que não ajudam, tenho dormido mal. Muito mal. E não porque me pese a consciência. Apenas porque a tenho apurada e sei da injustiça profunda de que estamos a ser alvo por esse mundo fora. Aliás, foi também por estes dias que um pequeno vídeo intitulado “Alternative Math” (https://www.youtube.com/watch?v=Zh3Yz3PiXZw) se tornou viral. Quem não está dentro da profissão poderá até achar alguma “graça” ao caricato de certas cenas. Mas quem sente na pele, nos ossos e na alma o verdadeiro alcance da metáfora, treme e fica com profundas dores de estômago perante a profundidade da caricatura e o terror que ela representa.

É, com efeito assim, que a sociedade está a ser desenhada para encarar os professores e, aliás, de um modo geral as clássicas figuras de autoridade. Como os antigos servos da Grécia, explorados pelos senhores do poder, sem poder fazer seja o que for a não ser quase pedir desculpa por existir.
“Eu, professora, me confesso”, foi o título que dei a esta breve mas profundamente sentida intervenção, porque considero que chegou o tempo dos professores confessarem abertamente as suas tremendas dores, sem receio do que se possa dizer. Porque falar contra nós, há de haver sempre quem fale, mesmo que não saiba do que está a falar. 
Falo da vontade de chorar quando somos insultados pelos alunos. Falo do barulho ensurdecedor nos pátios, corredores e até nas próprias aulas. Falo da falta de apoio de alguns pais na sua missão educativa. Falo da necessidade de descanso quando varamos madrugadas fora a trabalhar em projetos sem qualquer visibilidade ou recompensa curricular. Falto das despedidas de filhos, maridos, mulheres, pais, família para trabalhar a quilómetros de casa sem qualquer compensação ou ajuda de custo. Falo da falta de reconhecimento, da falta de apoio, da falta de recursos, da falta de compreensão, da falta de respeito. Falo das acusações odiosas. Falo da falta de empatia. Falo da falta de delicadeza. 
Mas falo também das agendas ocultas que se preparam, desde há décadas, para estourar com a Escola Pública, mesmo de parte de alguns que se arvoram em seus defensores. Falo da vontade de lançar o caos e o desrespeito para depois os cobrar aos professores. Falo da desautorização constante do nosso estatuto denunciando, logo após, que não somos capazes de manter a autoridade. 
Falo ainda dos equívocos no que respeita à participação das famílias na escola, quando a melhor participação que podem ter é nas suas casas, conversando e educando os filhos. Falo de algumas famílias que esperam efetivamente que a escola desempenhe o papel educativo que lhes competiria a elas, sem dar contudo à escola autorização ou competências para que o faça. Falo da ideia de que temos de suportar tudo porque “estudámos para isso”. Falo das intromissões de quem nada sabe. Da falácia das “estratégias”, palavra a que se recorre como sendo milagrosa mas que, tantas vezes, é falha de verdadeiro conteúdo. Da falta de tempo das famílias para os filhos. Do depósito de crianças, adolescentes e jovens em que um tipo desvairado de política quis tornar forçosamente a escola sob a designação pomposa de “escola a tempo inteiro”, procurando assim agradar a famílias desesperadamente sem tempo e algumas sem vontade ou capacidade para lidar com os seus mais novos e que chegou a certos delírios como os que previam quase 24H sobre 24h dos alunos na escola, defendido como se tal fosse apanágio de uma verdadeira modernidade social. 
Falo sobretudo da falta de conhecimento de quem critica. Da falta de informação profunda e abalizada. Da desinformação dolosa. Da agressão gratuita. Da raiva incontida. Do ódio peregrino. Da militância obscura.
Falo de tudo isto e do mais que já não consigo depois de mais de 30 anos de serviço e de exaustão total. Física, para aguentar tantas horas na escola e também emocional, para suportar tanta injustiça. 
Por isso, eu, professora, me confesso. Me confesso do meu cansaço e do meu desgosto. Do meu desespero em perceber para onde caminhamos neste deserto de sentimentos e de empatia social. De perceber que dentro de pouco anos o sistema irá necessariamente colapsar para dar lugar à “nova ordem” que os poderosos delinearam há muito para os seus delfins, guetizando todos os outros sob a capa de uma pretensa inclusão, mas numa escola esfarrapada de recursos, desqualificada de apoios e necessariamente abandonada pelos seus melhores profissionais. 
Do barulho constante a quem chamam alegria. Da confusão a que chamam dinamismo. Do caos a que chamam participação espontânea. Da sobrecarga horária a que chamam oferta de escola. Da falta de liberdade de tempo – para alunos e professores - a que chamam apoios. Da necessidade dos apoios que advém da falta de clima de sala de aula. Da falta de valorização da escola, da falta de entendimento do que é efetivamente um espaço de ensino, do que é o papel de um professor e do que é a obrigação de um aluno em termos de estudo, participação e respeito. De qual é, no fundo, a natureza das suas respetivas missões. 
Poderei ensinar mil vezes a um aluno onde fica Portugal no Mapa do Mundo. Poderei servir-me das mais variadas estratégias, recursos, invenções, materiais pedagógicos, formas de ensinar ou motivar que, se o aluno não quiser estudar ou não sentir qualquer tipo de interesse em reter essa informação, nada haverá a fazer. E acreditem que existem muitos casos assim, como outros em que se passa totalmente o oposto, apenas devido a uma postura correta em sala de aula. Como num médico, se o doente se recusar a tomar o medicamento prescrito, não será de estranhar a ausência de cura. E é isso que muitos não aceitam - alunos, pais, famílias, opinião pública, políticos e até muitos de nós, docentes, com receio do que possam dizer, cansados que estamos da crítica constante. 
E é isto em que muitos se recusam a acreditar, achando sempre que a culpa é do professor que não se esforçou o suficiente. Porque é mais fácil assim, empurrando o verdadeiro problema para debaixo do tapete, escondendo-o dos olhos e da própria inteligência. E lá vêm os resultados das Provas de Aferição e o espanto de muitos como se acordassem de repente para a realidade dos factos, dando ao “monstro” novas razões para se levantar do lodo e atacar a presa. 
Por isso, é chegada a hora de dizer que a sociedade está doente e a escola está enferma. Mas não por culpa dos professores, verdadeiros enfermeiros de uma realidade que os ultrapassa e sufoca e a quem tentam constantemente remendar com o que têm à mão. Sim por culpa de décadas e décadas de caça ao voto, em que sucessivas tutelas, para agradar às famílias, levaram os professores ao altar do sacrifício, lavando depois daí as mãos como Pôncio Pilatos. E, como na cena decisiva em que a turba escolheu Barrabás em vez do Cristo, também a nós nos lançaram aos ódios da multidão para se libertarem a eles da culpa e da responsabilidade dos factos. 
Maus profissionais – é um clássico – existem em todas as profissões. Mas tomar uma classe inteira por atacado e atacá-la deste modo ignóbil é algo de incompreensível e que tem de ter a montante objetivos perversos que importaria descobrir e denunciar. Até porque quem fala mal dos professores deste modo abrangente, assume um papel destruidor e desagregador do tecido educativo e, portanto, é o interesse académico dos alunos que verdadeiramente põe em causa. Isto deveria ser entendido urgentemente pela opinião pública. Até porque naturalmente a quem interessará que os alunos estejam bem e tenham sucesso senão, desde logo, aos professores? 
Permitam-me um desabafo e uma memória feliz. Eu ainda sou do tempo em que, depois das passagens de ano, os alunos e as famílias nos traziam flores. Era tão bonito. Tenho saudades desse tempo. Não me envergonho de o dizer. Não configuraria qualquer tipo de interesse na possibilidade de uma avaliação mais positiva, já que o ano findara e a classificação tinha sido já atribuída. Era sim uma delicadeza, um carinho, uma atenção que humanizava a relação entre professores, alunos e famílias. Um reconhecimento que tinha também um papel pedagógico de deferência perante os docentes e de sensibilização dos alunos perante este facto. E maior era a comoção quando as flores nos chegavam das mãos de alunos que não tinham conseguido passar de ano mas a cujos professores, ainda assim, as famílias faziam questão de mostrar gratidão pelo esforço, empenho e dedicação demonstradas ao longo do ano para com as suas crianças e jovens. 
Sim, isto acontecia. E a educação processava-se de um modo fluido e conseguido. Sereno e com resultados. Mas depois tudo se tornou técnico, impessoal e desumanizado, convencidas as tutelas que assim é que era moderno e desejável. E começou a sanha contra os professores, desconsiderando-os e acusando-os perante a opinião pública como os grandes culpados dos males da sociedade. Aliás quem o fez, sabe bem o que fez, atacando o elo mais sensível e que era o garante da estabilidade das escolas: os professores. Professores até então vistos como alguém a quem se devia considerar e respeitar e, sobretudo alguém com quem se poderia aprender e olhar como um exemplo a seguir. Aliás era essa a mensagem que os pais transmitiam aos filhos e que resultava num processo harmonioso entre todos. Destruir isto que era o cerne da estabilidade educativa foi e continua a ser a agenda perversa e mais ou menos oculta de muitos decisores e elementos de poder colocados em lugares chave da nossa sociedade, nacional e internacionalmente falando. 
Por isso afirmo aqui que não interessa realmente aos que ocupam certos lugares de topo na hierarquia das decisões do Mundo que a situação melhore. Se quisessem verdadeiramente uma solução para a reabilitação da escola escutariam realmente os professores, procurando entender-lhes o que lhes vai na alma e, honrando a sua formação e experiência profissionais, reforçariam sem equívocos a sua autoridade na escola e na sala de aula. Reequipariam escolas e bibliotecas escolares com mais recursos, materiais e humanos. Restabeleceriam o valor do silêncio nas salas de aula e a vantagem da concentração. Sem desprimor de propostas alternativas, acabariam com o receio infundado das aulas expositivas e voltariam a promover junto das crianças o saber escutar com atenção, o pensar criticamente, o ponderar antes de se pronunciar e o saber participar de modo ordenado e organizado. Promoveriam a filosofia para crianças, os momentos de reflexão e de meditação em ambiente escolar já com provas dadas em tantas escolas. Dariam tempo aos pais para estar com os filhos e promoveriam o valor da educação, do estudo e do respeito por si e pelos outros. Permitiram aos professores e educadores ter mais tempo para pensar, preparar e corrigir atividades, serenamente, nas suas casas, de modo a dispor de uma distância crítica necessária ao desempenho específico da sua missão, longe da agitação das escolas e reconheceriam, de uma vez por todas, sem preconceitos, que o trabalho docente tem características e necessidades específicas que o tornam diferente de todos os outros. Como outros terão as suas. Diminuiriam também - mas de modo significativo (12 alunos seria o ideal) - o número de alunos por turma se realmente quisessem apostar num ensino personalizado. Dotariam verdadeiramente as escolas com técnicos em número suficiente para apoiar os alunos com Necessidades Educativas Especiais. E dignificar-se-iam, sem pestanejar carreiras e percursos profissionais. 
Responsabilizar-se-iam de um modo concreto as famílias pelo saber estar dos seus filhos e educandos, enaltecendo aquelas – e são muitas felizmente – que tanto esforço fazem para que os seus filhos consigam vencer academicamente. Valorizar-se-ia uma cultura de cordialidade e de boa educação. E, finalmente, cobrar-se-ia à sociedade, de um modo mais abrangente, a sua quota-parte de responsabilidade na educação das novas gerações, exigindo-lhe que fosse mais cuidadosa e criteriosa no que respeita às mensagens, imagens e textos que exponham situações de violência, agressividade ou grosseria, completamente impróprias para os mais novos, incapazes naturalmente de as descodificar e interpretar de um modo adequado e maduro. 
Seria também essencial que a sociedade rejeitasse, recriminasse e repudiasse profundamente esta verdadeira campanha de ódio – totalmente gratuita e generalista - para com os professores – ou para com qualquer outra classe profissional - como rejeita, recrimina e repudia – e bem – tantas outras campanhas de ódio que ameaçam a nossa sociedade e que são provenientes da má-fé, do dolo, da maldade, do preconceito, dos interesses particulares e da ignorância de alguns.

Paulo Guinote na RTP3 (05-06-2018)

quarta-feira, 6 de junho de 2018

A Opinião do Prof-Folio: Viagem ao planeta Hara-Clin! (II)

Permanecemos mais alguns dias no Planeta Hara-Clin!



O planeta tinha passado por uma grave crise que foi criada por um governante que gastou imenso dinheiro em parcerias público-privadas.

Após ter deixado o planeta à beira da bancarrota, foi estudar para outro planeta, levando uma vida de luxo à custa do dinheiro que lhe foi facultado por um amigo (também gostava de ter um amigo assim).

Entretanto o planeta ficou mergulhado numa profunda crise! O Fundo das Moedas Interclin, conjuntamente com a União dos Planetas de Euro-Clin (organização que agrupa vários planetas daquela Galáxia) tiveram que emprestar vários milhares de milhões de Clins (a moeda do planeta), sob o compromisso de, entre outras medidas, efetuar cortes a trabalhadores, pensionistas em geral e congelar a progressão na carreira de toda a função pública (entre os quais os professores).

Naquele planeta, de um modo mais ou menos geral, os professores não são respeitados pela população em geral, pelos pais e encarregados de educação e pelos políticos, mas, apesar disso nunca deixaram de cumprir com zelo e profissionalismo, as suas funções, mesmo tendo sofrido cortes inimagináveis no seu vencimento.

Passados uns anos, foi anunciado ao povo de Hara-Clin que a crise estava controlada e que os direitos dos trabalhadores iriam começar a ser restituídos faseadamente!

Nessa altura, houve eleições em Hara-Clin, que foram ganhas pelo partido que vinha governando o país durante estes anos de combate à crise e de "aperto de cinto". No entanto, os partidos da oposição criaram uma aliança (Gericlin) e derrubaram esse governo que legitimamente havia ganho nas urnas, tendo feito um acordo que lhes permitiu constituir um governo baseado em alianças parlamentares.

Esse governo descongelou a contagem de tempo de serviço da generalidade das carreiras da função pública desse planeta e recusou-se a considerar esse tempo de serviço à classe dos Professores, que totaliza 9 anos 4 meses e 2 dias.

Os professores de Hara-Clin acham que esta situação é injusta comparativamente a outras carreiras onde o tempo de congelamento foi considerado. Apesar de se sentirem injustiçados, estes profissionais da educação, altamente qualificados, nunca deixaram de cumprir a sua função com zelo, nomeadamente na teia burocrática de "papéis inúteis que são obrigados a preencher" nas escolas, situação esta que vem sendo instituída desde há muitos anos por sucessivos governantes da área da Educação.

Naquele planeta, há vinte e três sindicatos de professores (incluindo um que acabou de surgir). Em sede de negociação, os sindicatos e o governo de Hara-Clin assinaram um compromisso de negociação relativamente a esta matéria: recuperação da totalidade do tempo de serviço perdido.

Os professores não exigem que lhes seja restituída qualquer verba daquilo que perderam, apenas pretendem que lhes seja considerado esse tempo, como serviço prestado e que seja relevante para a sua progressão na carreira.

Os governantes ofereceram dois anos e nove meses, nunca ultrapassando essa marca, enquanto que os sindicatos de Hara-Clin reclamaram sempre a recuperação integral do tempo que foi congelado.

Como não chegaram a acordo, os sindicatos convocaram uma greve de professores que não teve grande expressão, pois os governantes continuaram a manter a sua posição irredutível sob o argumento de que não há dinheiro. Na verdade, pelo que se constata, não há dinheiro para umas coisas, mas há para resgate de bancos, que com a crise que assolou aquele planeta estavam em risco de falência.

Após essa greve, que não trouxe qualquer efeito prático em sede de negociações, os sindicatos decidiram convocar uma manifestação onde estiveram cerca de 50 000 professores, o que continuou a ser ineficaz.

Entretanto naquele planeta, um grupo de professores decidiu, com base na Constituição de Hara-Clin, lançar uma ILC (Iniciativa Legislativa de Cidadãos), que, ao atingir as 20 000 assinaturas no prazo de 90 dias, obriga o Parlamento a legislar sobre a matéria em questão.

Logo o porta-voz dos sindicatos veio dizer que essa iniciativa era ineficaz, porque a recuperação de tempo de serviço já estava prevista na lei e que essa medida não seria necessária, incitando a que os professores não assinassem essa iniciativa.

Após mais uma ronda de negociações, o governo, através do Ministro da Educação de Hara-Clin veio dizer que uma vez que os professores (através dos sindicatos) não aceitavam o que lhes foi oferecido, nenhum desse tempo seria considerado. Esta informação gerou um onda de revolva no universo dos professores, o que provocou ainda mais divisões dentro da classe.

Entretanto a ILC já vai nas 15 000 assinaturas, faltando apenas cerca de 5 000 para atingir o objetivo pretendido. Apelamos portanto aos professores e respetivos familiares que não deixem de assinar, exercendo deste modo a sua cidadania.

Naquele planeta, numa estação de televisão, aparece regularmente um "comentador" que parece ter ódio à classe dos professores (não percebemos porquê). Não é a primeira vez que faz comentários sobre a classe dos professores sem estar minimamente informado sobre aquilo que comenta, o que é lamentável. Chegou a comparar os professores às operárias de uma fábrica de Aracosul, que nunca foram promovidas desde que a fábrica abriu.

Não senhor "comentador" (as aspas são propositadas), a progressão dos professores não são automáticas e estão desde há alguns anos equiparadas às da função pública em geral. Estude a matéria antes de ir falar em vez de se dedicar a outras atividades!

O que move este senhor? Trauma? Frustração? Demagogia? Mover a opinião pública contra os Professores, profissionais que em tempos ele próprio apelidou de parasitas da sociedade?

Este senhor definitivamente não conhece o sistema de progressão nos escalões onde há quotas e desconhece ou faz por se esquecer que as greves aos exames foram apenas em 2005 e em 2013 e, ainda assim, de uma forma muito limitada e com recurso a serviços mínimos.

No planeta Hara-Clin, alguns professores decidiram juntar-se para, seguindo os seus ideais, tentar proporcionar à classe dos professores uma aspiração já antiga e que nunca foi concretizada devido a fortes oposições políticas: a criação de uma Ordem dos Professores.

No planeta existem diversas ordens profissionais de várias profissões que atravessam diversos setores da sociedade, mas não existe nenhuma Ordem dos Professores. Tendo em conta essa realidade, um grupo de professores, distribuídos por todo o planeta e por todos os ciclos e tipos de ensino e resolveram perseguir esse objetivo grandioso: formar a Ordem dos Professores.

Segundo a legislação em vigor em Hara-Clin, nomeadamente a Lei nº 12/2014, há passos que devem ser dados para a prossecução desse objetivo e o primeiro deles é a criação de uma Associação Profissional que tem como objetivo promover a função social, dignidade e prestígio da profissão de professor/educador, assim como a sua valorização profissional, científica e pedagógica. Tem também como objetivo promover todas as etapas previstas na lei, no sentido da formação da Ordem dos Professores.

António Craveiro

segunda-feira, 4 de junho de 2018

Supervisão, Lideranças e Avaliação: Os Desafios Atuais da Gestão do Currículo


Gerir o currículo implica fazer opções e definir prioridades que deem sentido às escolas e aos seus projetos com o propósito de melhorar as aprendizagens dos alunos. Partindo de um olhar integrado da gestão curricular como atividade complexa, socialmente situada, propomo-nos equacionar como é que na sua produção se interligam as práticas de supervisão, de liderança e de avaliação. Assim, o IV Encontro SLIA coloca no centro da reflexão os desafios da gestão do currículo às práticas de supervisão, de liderança e de avaliação.

A investigação realizada pelo Instituto de Educação da Universidade de Lisboa (IE-ULisboa) nas escolas integradas na REDESCOLA, a formação desenvolvida junto dos atores escolares, por todo o país, e a consultadoria especializada nas escolas do programa ‘Territórios Educativos de Intervenção Prioritária’, entre outros, inspiram-nos a intensificar o debate e a reflexão sobre desafios profissionais atuais, implicando nesse exercício todos os que intervêm no setor da educação – na academia, na administração e na profissão docente –, assim como os nossos alunos dos cursos pós-graduados de Doutoramento, Mestrado e Especialização sobre supervisão, avaliação, organização e gestão das escolas.

Neste contexto, promovemos o IV Encontro “SLIA – Supervisão, Lideranças e Avaliação: os desafios atuais da gestão do currículo“, contando, para tal, com a presença de reconhecidos especialistas nestas áreas do conhecimento.

Conforme o Despacho n.º 5741/2015 de 29 de maio de 2015, este Encontro poderá ser certificado como ação de formação de curta duração (6 horas), devendo para esse efeito preencher os campos necessários da ficha de inscrição para emitirmos o certificado de participação.

Inscrições, Programa, Organização e Comissão Organizadora:

Escola, inclusão digital e participação cívica


No Editorial da "Ensino Magazine", João Ruivo, faz mais uma vez uma análise que da nova era que vivemos, em que a Escola terá necessariamente de adaptar-se às novas realidades.

Na era da informação, a oferta de trabalho de profissões baseadas exclusivamente em competências manuais está em declínio. Daí que novas aprendizagens baseadas na manipulação e na gestão da informação de bases de dados digitalizados se afigure indispensável na abordagem dos objectivos escolares das novas gerações. Nesse novo domínio em que projectam as preocupações dos educadores, a Internet tem um papel importante a desempenhar. Duvidamos, todavia, que essa importância advenha da simples disponibilização e democratização nas escolas do acesso a esse serviço.

Pode o simples manejo de uma nova máquina, ou de um novo serviço, contribuir para o desenvolvimento pessoal e intelectual? Se não, porque insistem os diferentes responsáveis educativos em simplesmente dotar as escolas com alguns (e indiscutivelmente poucos) computadores, com serviços de acesso às redes digitais limitados, ignorando que o importante não é mais a "actualização contínua" das máquinas, mas sim a "formação permanente" dos docentes e alunos que a elas têm acesso?

Sabemos que a escola de massas dificulta a inclusão digital de todos os discentes, já que promove um novo tipo de estratificação escolar que divide os que têm computadores ou tablets em casa e os que não os têm; os que têm Net em casa e os que a não têm; os que têm Net de alta velocidade e os que não a têm; os que têm smartphones com acesso permanente às redes digitais, e os que…

Todavia, essa mesma escola de massas pode contribuir para o atenuar da exclusão digital a que muitos alunos estariam votados se souber democratizar o acesso e a manipulação destes novos instrumentos educativos, organizando-se em torno de objectivos claros, de equipamentos acessíveis e de um corpo docente motivado informado e formado no uso das novas tecnologias da comunicação e da informação.

Importaria, porém, que esta promessa integradora não seguisse os passos da televisão quando, há umas décadas, prometia aos pais e educadores ser "uma janela diferenciada para um mundo melhor" oferecendo ao público uma programação voltada para a educação, quando sabemos que hoje a generalidade dos canais de TV são responsáveis por uma respeitável percentagem de iliteracia e de abstenção da participação cívica dos seus espectadores.

Sabemos, igualmente, que as novas tecnologias da comunicação e da informação podem introduzir mudanças significativas na tradicional separação de poderes dentro escola: quer na relação vertical do poder professor - aluno, quer, ainda, no poder baseado na descriminação do acesso aos saberes, através da democratização, ou não, do acesso a esses saberes, bem como aos tempos e às formas da sua aquisição.

Vivemos uma época social caracterizada por um sistema complexo-adaptativo. Assim caos, auto-organização e adaptabilidade são algumas palavras-chave para descrever este processo aparentemente contraditório que envolve a escola e os educadores. Talvez porque desde a queda do muro de Berlim o mundo ocidental já não esteja tanto dividido pelo peso das ideologias e os responsáveis governativos se apercebam que o eixo da divisão se deslocou para a análise dos indicadores que revelam o sucesso, ou não, da promoção educativa das populações, incluindo-se nesse objectivo o domínio e generalização das novas tecnologias.

Inclusão digital é, pois, imperativa para todos os cidadãos deste novo século se quisermos aceitar o desafio de assegurar que a Europa seja reconhecida como uma referência pela qualidade das suas instituições de educação e de formação, garantindo que homens e mulheres de todas as idades tenham acesso à aprendizagem e actualização ao longo da vida. Conviria então saber a quota-parte de responsabilidade de cada um de nós para que todos estes objectivos deixem de ser apenas encarados como ambiciosos, transformando-se, progressivamente em metas realistas.

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