Rogério Martins, matemático, defende que o nível dos exames "devia ser mais baixo" e que as perguntas deviam ser "mais diversificadas”. Sobre a importância que os pais têm no percurso dos filhos, sublinha: "Muda tudo quando uma criança aprende Matemática e tem pais que a entendem, que valorizam aquele saber."
Um bom professor faz analogias para explicar a matéria, cria empatia com os alunos e, acima de tudo, admite quando não sabe alguma coisa. Quem o diz é Rogério Martins, matemático, professor universitário e apresentador do programa Isto é Matemática que desde 2012 é transmitido na SIC Notícias. Defende que os exames nacionais do ensino secundário deviam ter estruturas diferentes todos os anos, para fazer com que os alunos se foquem na matéria e não na preparação específica da prova. Acha também que os enunciados deviam ser mais simples e ter "perguntas muito mais diversificadas".
Reconhece que as suas aulas não são tão divertidas como o programa que apresenta. Mas cada vez mais valoriza a importância de "criar uma boa relação humana com os alunos". E lamenta que o sistema de ensino já se tenha adaptado ao mundo das explicações — "O professor já conta que vai haver um apoio suplementar." Nada contra as explicações, garante. Contudo, "se tudo estiver a funcionar em condições deve ser suficiente ter um professor, um livro e estudar".
É possível dar aulas tão divertidas como o Isto é Matemática?
Não quero passar a ideia de que as minhas aulas são como no programa. Não são. Eu costumava dizer que fazer o programa é o sonho de qualquer professor. Primeiro, eu posso escolher o que quero ensinar. Posso ir buscar a parte mais divertida. Segundo, tenho uma lista de gente para tornar aquilo ainda mais giro. Uma equipa de profissionais de televisão e um guionista para criar um ambiente e uma história. As minhas aulas são muito parecidas com uma aula normal. É claro que conto as minhas histórias e tento motivar os alunos da melhor forma.
Como é que se motiva os alunos?
Quando era estudante comecei a ler muito além daquilo que era ensinado na faculdade. Lia, lia, lia... Depois começava a criar pontes. O que faço nas minhas aulas é tentar criar essas pontes. Falar sobre curiosidades. Podia fazer-se mais isso nas escolas. Mas eu também estou a dizer isto e a falar de “barriguinha cheia” em relação aos colegas que dão aulas no secundário ou no básico. Nós, na faculdade, temos mais alguma liberdade para ajustar o que queremos fazer. Estes outros colegas têm programas extensíssimos, muito minuciosos e que não lhes dão margem de manobra. Mas uma coisa boa é relacionar, porque motiva as pessoas.
O que é que tem um bom professor?
Uma das coisas mais importantes é admitir que não sabe. É mais do que natural que um professor não saiba tudo. É claro que se espera que tenha uma boa formação, não digo que não. Depois há aquelas outras coisas, como saber muito, ser claro, criar boas analogias... Eu no início achava que era importante saber muito. Nos últimos anos, uma das coisas que acho importante, é criar uma boa relação humana com os alunos.
Os professores de Matemática são bem formados em Portugal?
Temos muito bons professores. Em geral, é uma profissão que tem gente com vocação. No caso de Matemática, as pessoas preocupam-se. Os professores fazem um investimento para a tornar agradável. Nós queixamo-nos mas a verdade é que a escola está cada vez melhor.
Então porque é que os alunos portugueses continuam a ter tão más notas a Matemática?
Têm, mas não são tão más quanto isso. A forma como se ensina Matemática e como os alunos aprendem é todo um reflexo da forma como a sociedade foi ensinada. Nós somos um país com um histórico de educação muito curto.
De facto, os resultados dos alunos de 15 anos no PISA, um estudo que é feito de quatro em quatro anos pela OCDE, têm vindo a melhorar. Estávamos sempre no fim da tabela e agora estamos ligeiramente acima da média. Porquê?
Estarmos ligeiramente acima da média é bom quando o nosso sistema de ensino surgiu em massa a seguir ao 25 de Abril. As pessoas que agora estão na escola começam a ser os filhos de quem foi educado depois do 25 de Abril. Muda tudo quando uma criança aprende Matemática e tem pais que a entendem, que valorizam aquele saber, porque eles próprios também estudaram aquilo e conseguem acompanhar. A verdade é que melhoramos todos os anos e se agora estamos acima da média, é expectável que no futuro vamos estar ainda mais se seguirmos esta curva — é um bocadinho independente do programa em vigor, parece-me.
O que pensa dos actuais programas do básico e secundário?
O programa é muito ambicioso e acho que o devemos ser com as novas gerações. Apesar de não ter experiência no secundário e tudo o que digo ser baseado no que me comunicam, as pessoas dizem-me que se sentem um bocadinho asfixiadas pela quantidade de matéria. Tendemos a achar que quantidade é sinónimo de qualidade e não tem de ser. Se tivermos menos matérias mas pudermos aprofundá-las mais, conseguimos fazer com que os alunos entendam com mais profundidade e com que que faça mais sentido na cabeça deles. Talvez seja demasiado extenso e formalista. O formalismo é importante, sem dúvida, mas a intuição também é.
Em Portugal, as duas principais organizações que reúnem docentes de Matemática, a Sociedade Portuguesa de Matemática (SPM) e a Associação de Professores de Matemática (APM), têm posições radicalmente opostas quanto ao que devem ser os programas da disciplina e quanto ao modo de os ensinar. Não é possível existir um "mínimo denominador comum" a este respeito?
Eu gostaria muito que houvesse. É pena que as pessoas não se sentem mais para discutir e criar consensos e que os programas não sejam mais estáveis.
Como é que se poderia alcançar a estabilidade dos programas?
Essa estabilidade só é possível se os programas forem independentes do ministério. Faria sentido criar um conjunto de cabeças pensantes que pudessem ter representantes das várias sociedades de professores e que chegassem, entre eles, a um consenso que fosse suficientemente estável para manter um programa dez anos ou mais. Se há área na qual isso é possível fazer é na Matemática. É pena que a SPM e a APM não estejam mais de acordo, mas isso tem todo um contexto.
Qual é esse contexto?
A SPM está mais ligada ao ensino superior, a APM mais ao ensino secundário. Sempre foram mundos de costas voltadas. E nós que damos aulas nos primeiros anos de faculdade percebemos isso. Não há uma continuidade. Basicamente, os programas mudam e tudo o que ensinamos [no superior] ignora o que está a acontecer.
Como é que se podem cruzar estes dois mundos?
Estou aqui a levantar uma possibilidade que nem sei se está na cabeça de alguém, mas uma coisa que achava muito útil era existir um maior cruzamento entre secundário e superior. Devia ser possível e seria extremamente útil, permitir a professores universitários fazer alguns anos no secundário. Porque é isso que faz falta. Mas isso não é possível.
Os exames do secundário são bem feitos?
Acontece em geral, não só nos exames, que quando as pessoas estão a avaliar exista uma certa tendência para se começar a fazer o mesmo tipo de perguntas [sempre]. Quando isso acontece, dá-se a volta ao sistema. Os alunos começam a preparar-se para o exame em vez de se preocuparem em aprender. É claro que a culpa disto não é dos alunos e nem sequer dos professores que preparam. A partir do momento em que eu, como pai ou aluno, percebo que é muito mais fácil arranjar um explicador, que me explica as perguntas que tipicamente aparecem no exame e que aquilo que eu tenho de fazer é perceber as resoluções, eu não estou a aprender Matemática, estou a aprender a fazer um exame.
Então defende um exame diferente todos os anos?
Sim. Eu defendo que os exames devem ser provavelmente mais simples, porque se criássemos exames com perguntas muito fora da caixa os alunos iriam ter muito más notas. O nível devia ser mais baixo e com perguntas muito mais diversificadas. A regra no exame devia ser que fosse sempre diferente. Eu estou a dizer que isto está a acontecer agora com os exames nacionais, mas se for à minha faculdade isso também acontece.
É preciso estudar muito para ser bom aluno a Matemática?
Há pessoas que estranhamente não precisam de estudar muito para serem boas alunas a Matemática. Há outras que estudam muitíssimo e não conseguem. É bom ter um bom método. Os piores casos que já vi são aquelas pessoas que estudam muito e não têm sucesso. São alunos que ficam muito centrados na matéria e não fazem as pontes.
E as explicações particulares, fora das aulas, são essenciais?
Infelizmente estão a ser. Eu não tenho nada contra as explicações, acho que são algo essencial. Deviam ser como uma terapia. Para mim essa é a forma saudável de ter explicações. Mas isso na prática não acontece muito. Muitos pais têm tendência para pôr os filhos na explicação de forma continuada. Algo que não censuro porque o sistema já se adaptou ao mundo das explicações. O professor já conta que vai haver um apoio suplementar. Agora, se é possível fazer o ensino sem ir à explicação? É. Se tudo estiver a funcionar em condições deve ser suficiente ter um professor, um livro e estudar o seu tempo.
Até porque há a questão do preço. As explicações também promovem as desigualdades?
Sim. E é uma pena que isso aconteça.
O que é que se perde ao ter jovens que não gostam de Matemática?
Perde-se uma parte importante da cultura. A Matemática é um mundo. Eu gostaria de dizer que se perde um lado de ver o mundo mais racional. Nós não temos de ver tudo de forma racional, mas às vezes as pessoas fazem escolhas que não são as mais certas. Estou a falar de coisas tão simples como a forma como compram um seguro, nas escolhas que fazem se compram este ou aquele carro. Não tem mal nenhum, mas é bom que percebam exactamente o que está em causa.