No dia 24 de junho, data em que foi conhecido o resultado do referendo à permanência na União Europeia do Reino Unido, os media deram amplo destaque ao acontecimento, foram horas de escrutínio intenso à decisão tomada pelos britânicos. Por curiosidade, quisemos saber qual o interesse dos portugueses no tema. Para tal, nada melhor do que saber quais as palavras mais procuradas pelos portugueses no mais conhecido motor de busca à face da terra. O resultado foi um pouco surpreendente ao descobrirmos que o termo mais procurado nesse dia foi “Ryanair”, a companhia aérea lowcost com sede na Irlanda, mas com o centro das suas operações em Londres. Ao todo foram mais de 20 mil pesquisas que indiciam preocupação com o impacto da saída do Reino Unido da União Europeia na atividade da companhia aérea, em particular nas rotas para Portugal.
Nesse mesmo dia, vários termos ligados ao referendo foram pesquisados pelos portugueses, com maior relevo sobre as pessoas que lideraram o movimento a favor da saída da União Europeia, sobre a depreciação da libra, mas também para o significado da expressão “Brexit”. No dia seguinte, dia 25, as atenções viraram-se para o Europeu de futebol, e o que os portugueses mais pesquisaram foi “Portugal Croácia”, seguido à distância pela pesquisa dos mais populares jogadores da nossa seleção. Um dia depois de ser conhecido o resultado do referendo, este deixou de ser tema para os portugueses, a julgar pelo ranking de pesquisas efetuadas na internet.
As pesquisas no Reino Unido encontram algum paralelismo com a dos portugueses. Depois de se ter verificado uma enorme procura de informação na internet sobre o referendo e as suas consequências, no dia 24, o top das pesquisas deu lugar na segunda-feira dia 27 a “England v Iceland”, referente ao jogo a disputar nesse mesmo dia entre as seleções de futebol destes dois países.
Sobre a Ryanair
Satisfazendo o interesse e preocupação demonstrados pelos portugueses na companhia aérea, o impacto nas rotas com origem em Portugal não se deverá fazer sentir. De acordo com o presidente executivo da companhia, a decisão tomada foi cancelar o lançamento de novas rotas para o Reino Unido durante o próximo ano e meio, isto é, até que os moldes da saída do Reino Unido da União Europeia sejam clarificados.
Do ponto de vista financeiro, é natural que a empresa venha a sofrer dado que mais de um quarto das receitas da Ryanair resulta da operação no Reino Unido. A companhia aérea emprega mais de 3 mil pessoas nas 13 bases que mantém nos aeroportos do Reino Unido e transporta mais de 41 milhões de passageiros por ano entre o Reino Unido e o resto da Europa.
Em consequência, as ações da empresa foram penalizadas em bolsa, caindo mais de 10% no dia 24 de junho. Nos dias seguintes manteve-se a tendência de queda, refletindo com naturalidade as expectativas de quebra das receitas. Com humor, como sempre, a Ryanair lançou uma campanha para os britânicos, incentivando-os a visitar a Europa a partir de £19,99, ilustrando a campanha com duas das principais figuras a favor da saída do Reino Unido da União Europeia, sob o mote “your next Brexit”.
O Brexit e... o efeito económico
O que irá suceder à Ryanair é muito similar ao que poderá suceder com muitas outras empresas com atividade económica no Reino Unido.
Existe uma estimativa de que o impacto sobre o crescimento económico do Reino Unido será de 1,4 % em 2017 vs 0,3 % no crescimento da Zona Euro. No entanto, este impacto é incerto e difícil de prever com exatidão e a curto prazo deveremos esperar os seguintes movimentos:
1- Um aumento na taxa de poupança das famílias em detrimento do consumo motivada pelo fator incerteza
2- Maior cautela das empresas sobre seus investimentos, com uma possível deslocalização de empresas do Reino Unido
3- Uma desaceleração nos fluxos de capitais entre o Reino Unido e os restantes países
A longo prazo, a maioria dos estudos apontam para um impacto negativo duradouro sobre o PIB e prevêm até 2020 uma quebra de atividade entre 3% e 9% no Reino Unido. Ninguém ficará imune, especialmente a União Europeia, mas do ponto de vista económico, deverão ser os próprios britânicos os mais penalizados.
…. o efeito político
A mudança de governo é provável no Reino Unido. O primeiro-ministro David Cameron defendeu durante a campanha a manutenção do Reino Unido na EU, pelo que sai enfraquecido deste referendo, que dividiu amplamente o povo britânico. Embora tenha dito repetidamente que, aconteça o que acontecer, iria permanecer como primeiro-ministro após o resultado, anunciou a intenção de deixar o cargo.
A agenda política de um eventual futuro governo é completamente desconhecida nesta altura (quando é que as negociações comerciais começam? Com que objetivo? Que política fiscal será implementada?)
A decisão de deixar a União Europeia aplica-se para o Reino Unido como um todo, no entanto a Escócia, que votou maioritariamente a favor de permanecer na UE, é provável que peça permissão a Londres para organizar um novo referendo sobre a independência, a fim de permanecer na UE, um pedido que Londres dificilmente poderá recusar. Este referendo, a suceder, abrirá o caminho para pedidos semelhantes na Irlanda do Norte, onde o voto a favor da permanência na União Europeia também ganhou. Paradoxalmente, depois de convencer a maioria dos britânicos de que sozinhos serão mais fortes, vão ter que, internamente, convencer escoceses e irlandeses da Irlanda do Norte, de que, juntos, serão mais fortes. Esta batalha promete ser dura.
A reação dos mercados financeiros
Foi de pânico generalizado. O resultado final do referendo acabou por surpreender os mercados que nos dias anteriores vinham descontando uma vitória do voto a favor da permanência do Reino Unido na União Europeia, em função das sondagens favoráveis que foram surgindo à medida que o dia 23, dia da votação, se foi aproximando. A reação dos mercados foi por isso de pânico, penalizando indiscriminadamente todas as classes de ativos de maior risco, principalmente as ações, por todas as principais praças mundiais.
No final da sessão de bolsa de dia 24 de junho, o balanço foi negro, e o efeito surpresa do resultado final do referendo não justifica tudo. É verdade que se trata do maior evento antiglobalização das últimas décadas, num mundo que progressivamente foi esbatendo fronteiras em prol do aumento do comércio. Subitamente a dúvida ensombrou os mercados financeiros, em particular os mercados europeus.
Se já era expectável uma forte depreciação da libra face às principais moedas de referência, dólar, euro e iene, o facto das principais bolsas terem quebrado mais do que a própria bolsa londrina permite fazer uma interpretação que vai além do pânico associado apenas ao resultado do referendo. Os mercados extrapolaram a vontade dos britânicos para outros povos europeus, descontando um progressivo desmembramento da União Europeia. É um facto que em muitos países o sentimento de pertença à causa europeia já foi maior do que o é hoje, pelo que o risco de desmembramento é real.
São vários os movimentos extremistas e anti Europa que vão surgindo e ganhando expressão nos últimos anos e, podem de facto surgir iniciativas noutros países da União Europeia similares ao referendo levado a cabo no Reino Unido. No entanto para já é prematuro fazer grandes conjeturas, até porque a União Europeia tem sido capaz de responder aos desafios de forma afirmativa, como foi o caso durante a crise da dívida soberana, com epicentro nos países da periferia europeia.
O que esperar para os próximos tempos
Depois do choque, o Brexit começa progressivamente a ser digerido pelos mercados, que têm vindo a recuperar depois das perdas avultadas registadas no dia em que foi conhecido o resultado do referendo. É expectável que possamos continuar a assistir a alguma volatilidade, embora sem tendência clara, de subida ou descida.
Uma saída do Reino Unido da União Europeia sem tensões entre as partes deverá contribuir para uma progressiva normalização dos mercados.
Em novembro deste ano teremos as eleições norte-americanas, nas quais uma possível vitória do candidato republicano Donald Trump promete agitar novamente os mercados, enquanto em abril de 2017, nas eleições presidenciais francesas, a votação do candidato do partido de extrema-direita Front National deverá ter os holofotes dos mercados no sentido de validar o sentimento antieuropeísta dos franceses, depois de confirmado o dos britânicos.
Fonte: Newsletter do Activo Bank