terça-feira, 28 de novembro de 2017
quinta-feira, 23 de novembro de 2017
Nós, os professores
Não resisti a publicar este texto de opinião de Francisco Teixeira, no Público! Vale a pena ler este artigo, que a seguir se reproduz.
Tem-se assistido nas últimas semanas, particularmente a partir da greve e manifestação de 15 de novembro, a um processo de autêntico bullyingcomunicacional contra os professores portugueses do ensino básico e secundário. O cenário é esmagador: não há personagem comunicacional de primeira ou terceira categorias (desde o habitual Miguel Sousa Tavares ao mais esdrúxulo psicólogo, jurista ou “comunicólogo”) que não tenha “molhado a sopa”. Mesmo os pivôs televisivos, regra geral circunspectos, sugerem orientações aos secretários de Estado, exigem firmeza, reclamam políticas, peroram sobre a carreira dos professores. O paroxismo foi atingido com José Miguel Júdice, ex-bastonário da Ordem dos Advogados e ex-libris do lumpem moral das grandes sociedades de advogados, quando chamou aos professores uma “raça”, inaugurando uma nova categoria de racismo ou fobia, digna do DSM: o racismo ou fobia profissionais. Disse Júdice que “os professores é uma raça [sic] muito excepcional... são pessoas diferentes do resto da humanidade”.
Há cerca de um mês publiquei um artigo aqui no PÚBLICO onde citava António Arnaut a defender que os médicos deveriam ter carreiras profissionais equivalentes às dos magistrados. Ora, se há especificidades no estatuto profissional dos magistrados são a autonomia profissional, a inamovibilidade e o muito razoável estatuto remuneratório. Escrevia eu nesse texto que esse raciocínio se devia aplicar com mais razoabilidade aos professores, já que a escola pública e os professores constituem a mais decisiva das infraestruturas democráticas, mais ainda que os médicos e o SNS. Sem os professores, ou com a sua diminuição, mais cedo ou mais tarde tudo rui. Descontando os júdices e os quintinos, a questão principal do debate sobre o papel dos professores na sociedade portuguesa diz respeito, justamente, à natureza do seu estatuto profissional. Vamos então por aí.
A profissão de professor é essencialmente ética. Diz respeito a fins pessoais e sociais a alcançar, dos alunos, da escola e das várias comunidades a que se encontra conectada. De modo amplo, os fins que se jogam nas suas tarefas profissionais são os que estão estabelecidos na Declaração Universal dos Direitos do Homem, na Constituição da República Portuguesa e na Lei de Bases do Sistema Educativo. Pelo meio, bem entendido, há toda uma diversidade de especificidades e tensões. Desde logo, a principal responsabilidade dos professores é para com os seus alunos concretos, o que só pode ocorrer no contexto e assumindo aquela que é uma das suas principais características profissionais, a autonomia pedagógica e científica, sem as quais não é possível ser professor. Bem entendido, esta autonomia é de natureza tensional. Está em tensão com as comunidades locais, as direções das escolas, as demandas governamentais, os próprios interesses individuais dos alunos. A autonomia profissional é uma pré-condição básica da profissão, sem a qual não é possível responder à virtualmente infinita complexidade e plasticidade das situações pedagógicas concretas, à permanente evanescência relacional, cada dia, em cada sala de aula. A autonomia profissional dos professores nada tem a ver com fixações corporativas mas, pelo contrário, é condição de possibilidade de resposta ética e prática a cada um dos seus alunos. Sem autonomia profissional não há professores, mas simplesmente funcionários, repetidores, como se não houvesse alunos.
A somar a esta complexidade, as tecnologias pedagógicas são constitutivamente instáveis e não recolhem, nem podem recolher, consenso entre os profissionais da educação. Mais uma vez, o que funciona nuns casos pode não funcionar nos outros. As relações causais entre as ações dos professores e a configuração das aprendizagens não são suscetíveis de ser estabelecidas direta e positivamente. O que se ensina hoje, a ação de hoje, muitas vezes só refulge tardiamente e em conexão com eventos e relações que à partida não faziam sentido, mas que, de repente, começam a funcionar! Simplesmente não há como estabelecer tecnologias positivas de ensino-aprendizagem. Os jovens não se deixam padronizar.
Assim sendo, e sem aprofundar o assunto, a autonomia profissional dos professores está em tensão especial com a ideia vulgar de avaliação profissional, vista de um ponto de vista de prestação de contas metricamente definida, como comummente é pensada nas empresas e nas profissões imediatamente instrumentais, e que configuram o senso-comum sobre o assunto. Sendo cada aluno, cada turma, cada escola e cada professor âmbitos específicos de responsabilidades, necessidades e respostas éticas e pedagógicas, não é possível estabelecer referenciais e padrões objetivos do que seja um bom professor, a não ser de modo negativo. É certamente possível definir-se o que é um mau professor, mas é impossível definir o que é um bom professor. Um bom professor num sítio pode ser um mau professor noutro, o que não faz dele integralmente mau ou excelente. A ideia segundo a qual é possível estabelecer um padrão objetivável do que seja um bom professor ou o desvio relativamente a esse padrão conduz, inevitavelmente, à perda da autonomia profissional e à sua calcificação, impedindo-o de responder às necessidades dos seus alunos, substituídas pelas necessidades do sistema de injunções métricas-avaliativas. Porque é que isto é assim? Porque os professores lidam com crianças e jovens, pessoas em estado especialmente plástico do ponto de vista emocional, cognitivo e social; porque lhes compete ensinar criando âmbitos relacionais sumamente complexos; porque os seus saberes, essencialmente práticos, estão em mutação permanente, quer do ponto de vista especificamente científico, quer do ponto de vista metodológico e ético; porque, justamente, o entorno da escola é o mundo todo e a posição do professor enquanto interface entre as crianças e os jovens e o mundo é do tamanho dessa complexidade. Não há, então, nada mais difícil e complexo que ser professor, e tanto mais quanto mais jovem é o seu aluno.
Quer isto dizer que não é possível avaliar os professores? De todo, não. A questão é o que entendemos por avaliação docente. Já vimos que se “avaliação” quer dizer medir a distância de cada prática relativamente a um padrão profissional objetivo e “excelência” (não há palavra mais repugnante, no contexto da profissão de professor), a resposta já foi dada. Não, isso não é possível. Nem desejável. Mais do que isso, a “pulsão avaliativa” e observacional dos políticos é quase sempre mecanismo de legitimação das políticas e não instrumento de melhoria, correspondendo antes à paranoia panótica internalizada na sociedade de transparência e de vigilância integrais em que nos transformamos. Então como avaliar os professores? A coisa é técnica e temo que os poucos leitores que tenham conseguido chegar a este parágrafo não sigam daqui para a frente. É sempre mais fácil ouvir o júdice ou o quintino. Mas a resposta, de muita gente de várias áreas de especialidade, e minha, é que a avaliação dos professores não pode senão consistir num sistema de interpretação e diálogo permanentes entre os professores e as suas práticas. Um sistema de interpretação permanente não liga com a ideia de prestação de contas e medição categorial. Eu sei. E ainda bem. Como se faz isso, então? Instituindo, como está instituído, mecanismos de mediação e debate pedagógico nas escolas e fora delas, a que os professores tenham que recorrer, como recorrem... desde que lhe deem tempo. Sem tempo nada feito. Não há avaliação possível. Nem interpretativa, nem objetiva (que não é avaliação).
E que tem tudo isto a ver com as carreiras? A carreira profissional dos professores não é um sistema de antiguidade. Isto já foi dito mil vezes, mas o seu contrário foi dito um milhão. Mas mais vale dizê-lo, então, mais uma vez. A progressão na carreira dos professores depende de uma acumulação necessária de três fatores: avaliação de desempenho; formação contínua; tempo de serviço. E a progressão ao quinto e sétimos escalões depende de vagas, estabelecendo uma barragem administrativa à progressão. Também não é verdade que todos os professores tenham as mesmas funções. A supervisão pedagógica e a coordenação dos departamentos científicos/pedagógicos são exclusivos dos professores do quarto escalão ou superiores. É certo, e assim é que está bem, que os coordenadores de departamento não são, nas escolas básicas e secundárias, superiores hierárquicos dos outros professores, mas apenas coordenadores das equipas pedagógicas, desde logo porque são eleitos (de entre os professores do quarto escalão ou superiores que sejam detentores de experiência relevante ou formação especializada). Mas sim, é verdade que, em teoria, todos os professores podem chegar ao escalão mais alto da sua profissão, nem que seja nos últimos anos de serviço. E isso tem uma razão básica para ser assim. E a razão é económica e está bem que assim seja.
Como vimos acima, o professor é detentor de competências profissionais especialmente complexas. Para além das competências do seu campo científico (que não para de evoluir e lhe exige uma atualização permanente), são-lhe exigíveis competências culturais e emocionais muito amplas, susceptíveis de lhe permitirem uma compreensão, participação e relação aprofundadas com os seus contextos sociais, culturais e políticos, a começar pelo contexto da sua escola. Sem essas competências amplas o professor transformar-se-ia num mero repetidor, alienando o aluno, treinando-o na obediência e, portanto, deixando de ser um professor. Para que possa cumprir adequadamente estas exigências os professores precisam de tempo. De tempo para si, para o cultivo daquelas competências culturalmente complexas, e de dinheiro. O saber custa dinheiro, como se sabe, e não se pode exigir aos professores que sejam tudo, literalmente tudo (!) e, a seguir, pagar-lhes como operários com funções repetitivas, instrumentais e operacionalmente simples. Os professores têm de ser razoavelmente pagos, para a média do país. Salários que permitam aos professores apenas uma relação mínima com o seu saber e formação é a opção de um saber pobre, mecânico, medíocre e sem futuro. A ignorância e o anquilosamento culturais são mais caros que professores medianamente pagos.
Ora, esta é a grande opção que o Partido Socialista tem que fazer. Ou quer uma escola pública qualificada e democrática, o que implica professores qualificados, autónomos e dotados de saberes complexos, com requisitos salariais razoáveis (tendo em conta a média do país), ou quer uma escola pública autoritária, com professores hierarquizados, vigiados, desprovidos de autonomia profissional, mal pagos, proletarizados e, portanto, tendendo para a mediocridade profissional (como queria Maria de Lurdes Rodrigues). Em suma, ou quer uma escola pública decente ou quer uma escola pública para pobres, que sirva essencialmente a reprodução da desigualdade.
Temos, por último, a magna questão de haver ou não dinheiro para uma escola pública decente. O governo anterior vendeu com sucesso a ideia que não havia alternativa a um país pobre, feito de baixos salários, com funções públicas vegetarianas, quando não completamente destruídas. O argumento é que não havia dinheiro. Muitos portugueses convenceram-se disso. Tantos que a PAF até ganhou as últimas eleições. Mas confirmamos, entretanto, que o governo de Passos e Portas estava enganado. Afinal havia alternativa, ao governo anterior e às suas políticas. Mas, afinal, lá regressou pela janela a mesma conversa de que, afinal, não havia mesmo alternativa, ou, a haver, seria assim uma alternativazinha. O PS e os partidos da esquerda parlamentar têm que se decidir, para que a verdadeira alternativa não seja a implosão do atual sistema partidário, a que Portugal conseguiu escapar pelos pingos da chuva, ao contrário do resto da Europa. Dizem que Costa é um génio da política e Centeno o Mourinho das Finanças. Com a ajuda do BE e do PCP só posso estar convencido que não deixarão de nos surpreender positivamente.
Entretanto, os bullies destes dias não deixarão de ser surpreendidos pela resiliência e saber cívico dos professores portugueses.
Há cerca de um mês publiquei um artigo aqui no PÚBLICO onde citava António Arnaut a defender que os médicos deveriam ter carreiras profissionais equivalentes às dos magistrados. Ora, se há especificidades no estatuto profissional dos magistrados são a autonomia profissional, a inamovibilidade e o muito razoável estatuto remuneratório. Escrevia eu nesse texto que esse raciocínio se devia aplicar com mais razoabilidade aos professores, já que a escola pública e os professores constituem a mais decisiva das infraestruturas democráticas, mais ainda que os médicos e o SNS. Sem os professores, ou com a sua diminuição, mais cedo ou mais tarde tudo rui. Descontando os júdices e os quintinos, a questão principal do debate sobre o papel dos professores na sociedade portuguesa diz respeito, justamente, à natureza do seu estatuto profissional. Vamos então por aí.
A profissão de professor é essencialmente ética. Diz respeito a fins pessoais e sociais a alcançar, dos alunos, da escola e das várias comunidades a que se encontra conectada. De modo amplo, os fins que se jogam nas suas tarefas profissionais são os que estão estabelecidos na Declaração Universal dos Direitos do Homem, na Constituição da República Portuguesa e na Lei de Bases do Sistema Educativo. Pelo meio, bem entendido, há toda uma diversidade de especificidades e tensões. Desde logo, a principal responsabilidade dos professores é para com os seus alunos concretos, o que só pode ocorrer no contexto e assumindo aquela que é uma das suas principais características profissionais, a autonomia pedagógica e científica, sem as quais não é possível ser professor. Bem entendido, esta autonomia é de natureza tensional. Está em tensão com as comunidades locais, as direções das escolas, as demandas governamentais, os próprios interesses individuais dos alunos. A autonomia profissional é uma pré-condição básica da profissão, sem a qual não é possível responder à virtualmente infinita complexidade e plasticidade das situações pedagógicas concretas, à permanente evanescência relacional, cada dia, em cada sala de aula. A autonomia profissional dos professores nada tem a ver com fixações corporativas mas, pelo contrário, é condição de possibilidade de resposta ética e prática a cada um dos seus alunos. Sem autonomia profissional não há professores, mas simplesmente funcionários, repetidores, como se não houvesse alunos.
A somar a esta complexidade, as tecnologias pedagógicas são constitutivamente instáveis e não recolhem, nem podem recolher, consenso entre os profissionais da educação. Mais uma vez, o que funciona nuns casos pode não funcionar nos outros. As relações causais entre as ações dos professores e a configuração das aprendizagens não são suscetíveis de ser estabelecidas direta e positivamente. O que se ensina hoje, a ação de hoje, muitas vezes só refulge tardiamente e em conexão com eventos e relações que à partida não faziam sentido, mas que, de repente, começam a funcionar! Simplesmente não há como estabelecer tecnologias positivas de ensino-aprendizagem. Os jovens não se deixam padronizar.
Assim sendo, e sem aprofundar o assunto, a autonomia profissional dos professores está em tensão especial com a ideia vulgar de avaliação profissional, vista de um ponto de vista de prestação de contas metricamente definida, como comummente é pensada nas empresas e nas profissões imediatamente instrumentais, e que configuram o senso-comum sobre o assunto. Sendo cada aluno, cada turma, cada escola e cada professor âmbitos específicos de responsabilidades, necessidades e respostas éticas e pedagógicas, não é possível estabelecer referenciais e padrões objetivos do que seja um bom professor, a não ser de modo negativo. É certamente possível definir-se o que é um mau professor, mas é impossível definir o que é um bom professor. Um bom professor num sítio pode ser um mau professor noutro, o que não faz dele integralmente mau ou excelente. A ideia segundo a qual é possível estabelecer um padrão objetivável do que seja um bom professor ou o desvio relativamente a esse padrão conduz, inevitavelmente, à perda da autonomia profissional e à sua calcificação, impedindo-o de responder às necessidades dos seus alunos, substituídas pelas necessidades do sistema de injunções métricas-avaliativas. Porque é que isto é assim? Porque os professores lidam com crianças e jovens, pessoas em estado especialmente plástico do ponto de vista emocional, cognitivo e social; porque lhes compete ensinar criando âmbitos relacionais sumamente complexos; porque os seus saberes, essencialmente práticos, estão em mutação permanente, quer do ponto de vista especificamente científico, quer do ponto de vista metodológico e ético; porque, justamente, o entorno da escola é o mundo todo e a posição do professor enquanto interface entre as crianças e os jovens e o mundo é do tamanho dessa complexidade. Não há, então, nada mais difícil e complexo que ser professor, e tanto mais quanto mais jovem é o seu aluno.
Quer isto dizer que não é possível avaliar os professores? De todo, não. A questão é o que entendemos por avaliação docente. Já vimos que se “avaliação” quer dizer medir a distância de cada prática relativamente a um padrão profissional objetivo e “excelência” (não há palavra mais repugnante, no contexto da profissão de professor), a resposta já foi dada. Não, isso não é possível. Nem desejável. Mais do que isso, a “pulsão avaliativa” e observacional dos políticos é quase sempre mecanismo de legitimação das políticas e não instrumento de melhoria, correspondendo antes à paranoia panótica internalizada na sociedade de transparência e de vigilância integrais em que nos transformamos. Então como avaliar os professores? A coisa é técnica e temo que os poucos leitores que tenham conseguido chegar a este parágrafo não sigam daqui para a frente. É sempre mais fácil ouvir o júdice ou o quintino. Mas a resposta, de muita gente de várias áreas de especialidade, e minha, é que a avaliação dos professores não pode senão consistir num sistema de interpretação e diálogo permanentes entre os professores e as suas práticas. Um sistema de interpretação permanente não liga com a ideia de prestação de contas e medição categorial. Eu sei. E ainda bem. Como se faz isso, então? Instituindo, como está instituído, mecanismos de mediação e debate pedagógico nas escolas e fora delas, a que os professores tenham que recorrer, como recorrem... desde que lhe deem tempo. Sem tempo nada feito. Não há avaliação possível. Nem interpretativa, nem objetiva (que não é avaliação).
E que tem tudo isto a ver com as carreiras? A carreira profissional dos professores não é um sistema de antiguidade. Isto já foi dito mil vezes, mas o seu contrário foi dito um milhão. Mas mais vale dizê-lo, então, mais uma vez. A progressão na carreira dos professores depende de uma acumulação necessária de três fatores: avaliação de desempenho; formação contínua; tempo de serviço. E a progressão ao quinto e sétimos escalões depende de vagas, estabelecendo uma barragem administrativa à progressão. Também não é verdade que todos os professores tenham as mesmas funções. A supervisão pedagógica e a coordenação dos departamentos científicos/pedagógicos são exclusivos dos professores do quarto escalão ou superiores. É certo, e assim é que está bem, que os coordenadores de departamento não são, nas escolas básicas e secundárias, superiores hierárquicos dos outros professores, mas apenas coordenadores das equipas pedagógicas, desde logo porque são eleitos (de entre os professores do quarto escalão ou superiores que sejam detentores de experiência relevante ou formação especializada). Mas sim, é verdade que, em teoria, todos os professores podem chegar ao escalão mais alto da sua profissão, nem que seja nos últimos anos de serviço. E isso tem uma razão básica para ser assim. E a razão é económica e está bem que assim seja.
Como vimos acima, o professor é detentor de competências profissionais especialmente complexas. Para além das competências do seu campo científico (que não para de evoluir e lhe exige uma atualização permanente), são-lhe exigíveis competências culturais e emocionais muito amplas, susceptíveis de lhe permitirem uma compreensão, participação e relação aprofundadas com os seus contextos sociais, culturais e políticos, a começar pelo contexto da sua escola. Sem essas competências amplas o professor transformar-se-ia num mero repetidor, alienando o aluno, treinando-o na obediência e, portanto, deixando de ser um professor. Para que possa cumprir adequadamente estas exigências os professores precisam de tempo. De tempo para si, para o cultivo daquelas competências culturalmente complexas, e de dinheiro. O saber custa dinheiro, como se sabe, e não se pode exigir aos professores que sejam tudo, literalmente tudo (!) e, a seguir, pagar-lhes como operários com funções repetitivas, instrumentais e operacionalmente simples. Os professores têm de ser razoavelmente pagos, para a média do país. Salários que permitam aos professores apenas uma relação mínima com o seu saber e formação é a opção de um saber pobre, mecânico, medíocre e sem futuro. A ignorância e o anquilosamento culturais são mais caros que professores medianamente pagos.
Ora, esta é a grande opção que o Partido Socialista tem que fazer. Ou quer uma escola pública qualificada e democrática, o que implica professores qualificados, autónomos e dotados de saberes complexos, com requisitos salariais razoáveis (tendo em conta a média do país), ou quer uma escola pública autoritária, com professores hierarquizados, vigiados, desprovidos de autonomia profissional, mal pagos, proletarizados e, portanto, tendendo para a mediocridade profissional (como queria Maria de Lurdes Rodrigues). Em suma, ou quer uma escola pública decente ou quer uma escola pública para pobres, que sirva essencialmente a reprodução da desigualdade.
Temos, por último, a magna questão de haver ou não dinheiro para uma escola pública decente. O governo anterior vendeu com sucesso a ideia que não havia alternativa a um país pobre, feito de baixos salários, com funções públicas vegetarianas, quando não completamente destruídas. O argumento é que não havia dinheiro. Muitos portugueses convenceram-se disso. Tantos que a PAF até ganhou as últimas eleições. Mas confirmamos, entretanto, que o governo de Passos e Portas estava enganado. Afinal havia alternativa, ao governo anterior e às suas políticas. Mas, afinal, lá regressou pela janela a mesma conversa de que, afinal, não havia mesmo alternativa, ou, a haver, seria assim uma alternativazinha. O PS e os partidos da esquerda parlamentar têm que se decidir, para que a verdadeira alternativa não seja a implosão do atual sistema partidário, a que Portugal conseguiu escapar pelos pingos da chuva, ao contrário do resto da Europa. Dizem que Costa é um génio da política e Centeno o Mourinho das Finanças. Com a ajuda do BE e do PCP só posso estar convencido que não deixarão de nos surpreender positivamente.
Entretanto, os bullies destes dias não deixarão de ser surpreendidos pela resiliência e saber cívico dos professores portugueses.
quarta-feira, 22 de novembro de 2017
Lendas e mitos sobre a carreira dos professores (2)
O Paulo Guinote no seu blog "O Meu Quintal" vem muito assertivamente desmistificar mais uma ideia errada que porventura possa circular por aí.
Porque tem havido imensa desinformação acerca do “topo” salarial da carreira docente, comparando a sua extensão no tempo a outras carreiras da administração pública, é bom que se tenha o cuidado de ver com atenção se os valores são idênticos.
Deixo em seguida os quadros relativos ao 9º (o topo real da carreira docente neste momento) e o 10º escalão (mítico patamar que talvez alguns consigam alcançar com o descongelamento) da carreira docente e o quadro da tabela remuneratória “única”.
Não é bem a mesma coisa, certo?
Porque tem havido imensa desinformação acerca do “topo” salarial da carreira docente, comparando a sua extensão no tempo a outras carreiras da administração pública, é bom que se tenha o cuidado de ver com atenção se os valores são idênticos.
Deixo em seguida os quadros relativos ao 9º (o topo real da carreira docente neste momento) e o 10º escalão (mítico patamar que talvez alguns consigam alcançar com o descongelamento) da carreira docente e o quadro da tabela remuneratória “única”.
terça-feira, 21 de novembro de 2017
Lendas e mitos sobre a carreira dos professores (1)
Achei muito interessante o comentário feito por "sr.prof.ze" no blog ComRegras e não poderia deixar de trazê-lo aqui, porque ele ilustra na perfeição o sentimento que neste momento é sentida por toda a classe.
Não é possível contar todo o tempo de serviço dos professores?
Façamos uma breve análise do que aconteceu a partir de 2006 em que a carreira docente era de 26 anos.
– Em 2007 passou para 31 anos – 4 anos mais para atingir o fim da carreira (oferta de Maria de Lurdes Rodrigues).
– Em 2009 passou para 35 anos – e mais 4 anos para atingir o fim da carreira (nova oferta de Maria de Lurdes Rodrigues).
– Em 2010 foi efetuado o “reposicionamento” na nova carreira em que os professores foram colocados (em média) 4 anos atrás do seu tempo real de serviço – mais 4 anos para atingir o fim da carreira (oferta de Isabel Alçada).
– De 30 de agosto de 2005 a 31 de dezembro de 2007 foram 854 dias de congelamento – cerca de 2,5 anos a mais para atingir o fim da carreira (oferta de José Sócrates).
– De 1 de janeiro de 2011 a 31 de dezembro de 2017 são 2557 dias de congelamento – mais 7 anos para atingir o fim da carreira (oferta conjunta de José Sócrates, Passos Coelho e António Costa).
Desde 2006 foram-me retirados 21,5 anos à carreira.
A atual carreira docente é de quase 48 anos.
Os meus cabelos estão brancos e o meu carro tem centenas de milhar de quilómetros.
Não me venham dizer que o cronómetro esteve parado.
Na carreira docente não há mérito nas progressões?
Ao longo destes anos tive milhares de alunos, fiz dezenas de ações de formação, os resultados subiram em todos os rankings internacionais e fui sempre avaliado.
Todos os professores atingem o topo da carreira?
Nenhum professor está atualmente no topo da carreira, o atual 10.º escalão.
Este escalão foi criado para que nos resumos estatísticos da OCDE pareça que em Portugal os professores ganham muito.
Mas o verdadeiro topo da carreira não é este 10.º escalão.
Façamos uma breve análise do que aconteceu a partir de 2006 em que a carreira docente era de 26 anos.
– Em 2007 passou para 31 anos – 4 anos mais para atingir o fim da carreira (oferta de Maria de Lurdes Rodrigues).
– Em 2009 passou para 35 anos – e mais 4 anos para atingir o fim da carreira (nova oferta de Maria de Lurdes Rodrigues).
– Em 2010 foi efetuado o “reposicionamento” na nova carreira em que os professores foram colocados (em média) 4 anos atrás do seu tempo real de serviço – mais 4 anos para atingir o fim da carreira (oferta de Isabel Alçada).
– De 30 de agosto de 2005 a 31 de dezembro de 2007 foram 854 dias de congelamento – cerca de 2,5 anos a mais para atingir o fim da carreira (oferta de José Sócrates).
– De 1 de janeiro de 2011 a 31 de dezembro de 2017 são 2557 dias de congelamento – mais 7 anos para atingir o fim da carreira (oferta conjunta de José Sócrates, Passos Coelho e António Costa).
Desde 2006 foram-me retirados 21,5 anos à carreira.
A atual carreira docente é de quase 48 anos.
Os meus cabelos estão brancos e o meu carro tem centenas de milhar de quilómetros.
Não me venham dizer que o cronómetro esteve parado.
Na carreira docente não há mérito nas progressões?
Ao longo destes anos tive milhares de alunos, fiz dezenas de ações de formação, os resultados subiram em todos os rankings internacionais e fui sempre avaliado.
Todos os professores atingem o topo da carreira?
Nenhum professor está atualmente no topo da carreira, o atual 10.º escalão.
Este escalão foi criado para que nos resumos estatísticos da OCDE pareça que em Portugal os professores ganham muito.
Mas o verdadeiro topo da carreira não é este 10.º escalão.
Os verdadeiros topos da carreira são os seguintes:
– Auferir uma subvenção vitalícia da Assembleia da República;
– Ter uma reforma dourada numa Gulbenkian ou Fundação Lusa Americana para o Desenvolvimento após uns anitos como Ministro(a);
– Pertencer ao conselho Nacional de Educação;
– Fazer uns estudos bem pagos sobre a Educação.
Não há dinheiro para pagar aos professores?
Mas já há dinheiro para pagar a 1400 assessores dos gabinetes ministeriais!
Já há dinheiro para pagar o SIRESP!
Já há dinheiro para pagar os roubos internos dos bancos!
Já há dinheiro para as PPP!
Já há dinheiro para pagar ao “cartel do fogo”!
Dinheiro há! Mas as negociatas e as clientelas políticas e “empresariais” têm sido muito mais importantes do que os Alunos deste País.
A Educação não é “Despesa Orçamental” mas sim Investimento!
– Auferir uma subvenção vitalícia da Assembleia da República;
– Ter uma reforma dourada numa Gulbenkian ou Fundação Lusa Americana para o Desenvolvimento após uns anitos como Ministro(a);
– Pertencer ao conselho Nacional de Educação;
– Fazer uns estudos bem pagos sobre a Educação.
Não há dinheiro para pagar aos professores?
Mas já há dinheiro para pagar a 1400 assessores dos gabinetes ministeriais!
Já há dinheiro para pagar o SIRESP!
Já há dinheiro para pagar os roubos internos dos bancos!
Já há dinheiro para as PPP!
Já há dinheiro para pagar ao “cartel do fogo”!
Dinheiro há! Mas as negociatas e as clientelas políticas e “empresariais” têm sido muito mais importantes do que os Alunos deste País.
A Educação não é “Despesa Orçamental” mas sim Investimento!
segunda-feira, 20 de novembro de 2017
Os Professores - José Luís Peixoto
A propósito dos tempos que correm, recupero uma crónica de José Luís Peixoto, publicado na revista Visão de 13 de Outubro de 2011, em que nos demonstra com toda a sua mestria o que é ser professor. Ele próprio, foi professor de Inglês, durante a década de 90.
O mundo não nasceu connosco. Essa ligeira ilusão é mais um sinal da imperfeição que nos cobre os sentidos. Chegámos num dia que não recordamos, mas que celebramos anualmente; depois, pouco a pouco, a neblina foi-se desfazendo nos objectos até que, por fim, conseguimos reconhecer-nos ao espelho. Nessa idade, não sabíamos o suficiente para percebermos que não sabíamos nada. Foi então que chegaram os professores. Traziam todo o conhecimento do mundo que nos antecedeu. Lançaram-se na tarefa de nos actualizar com o presente da nossa espécie e da nossa civilização. Essa tarefa, sabemo-lo hoje, é infinita.
O material que é trabalhado pelos professores não pode ser quantificado. Não há números ou casas decimais com suficiente precisão para medi-lo. A falta de quantificação não é culpa dos assuntos inquantificáveis, é culpa do nosso desejo de quantificar tudo. Os professores não vendem o material que trabalham, oferecem-no. Nós, com o tempo, com os anos, com a distância entre nós e nós, somos levados a acreditar que aquilo que os professores nos deram nos pertenceu desde sempre. Mais do que acharmos que esse material é nosso, achamos que nós próprios somos esse material. Por ironia ou capricho, é nesse momento que o trabalho dos professores se efectiva. O trabalho dos professores é a generosidade.
Basta um esforço mínimo da memória, basta um plim pequenino de gratidão para nos apercebermos do quanto devemos aos professores. Devemos-lhes muito daquilo que somos, devemos-lhes muito de tudo. Há algo de definitivo e eterno nessa missão, nesse verbo que é transmitido de geração em geração, ensinado. Com as suas pastas de professores, os seus blazers, os seus Ford Fiesta com cadeirinha para os filhos no banco de trás, os professores de hoje são iguais de ontem. O acto que praticam é igual ao que foi exercido por outros professores, com outros penteados, que existiram há séculos ou há décadas. O conhecimento que enche as páginas dos manuais aumentou e mudou, mas a essência daquilo que os professores fazem mantém-se. Essência, essa palavra que os professores recordam ciclicamente, essa mesma palavra que tendemos a esquecer.
Um ataque contra os professores é sempre um ataque contra nós próprios, contra o nosso futuro. Resistindo, os professores, pela sua prática, são os guardiões da esperança. Vemo-los a dar forma e sentido à esperança de crianças e de jovens, aceitamos essa evidência, mas falhamos perceber que são também eles que mantêm viva a esperança de que todos necessitamos para existir, para respirar, para estarmos vivos. Ai da sociedade que perdeu a esperança. Quem não tem esperança não está vivo. Mesmo que ainda respire, já morreu.
Envergonhem-se aqueles que dizem ter perdido a esperança. Envergonhem-se aqueles que dizem que não vale a pena lutar. Quando as dificuldades são maiores é quando o esforço para ultrapassá-las deve ser mais intenso. Sabemos que estamos aqui, o sangue atravessa-nos o corpo. Nascemos num dia em que quase nos pareceu ter nascido o mundo inteiro. Temos a graça de uma voz, podemos usá-la para exprimir todo o entendimento do que significa estar aqui, nesta posição. Em anos de aulas teóricas, aulas práticas, no laboratório, no ginásio, em visitas de estudo, sumários escritos no quadro no início da aula, os professores ensinaram-nos que existe vida para lá das certezas rígidas, opacas, que nos queiram apresentar. Se desligarmos a televisão por um instante, chegaremos facilmente à conclusão que, como nas aulas de matemática ou de filosofia, não há problemas que disponham de uma única solução. Da mesma maneira, não há fatalidades que não possam ser questionadas. É ao fazê-lo que se pensa e se encontra soluções.
Se nos conseguirem convencer a desistir de deixar um mundo melhor do que aquele que encontrámos, o erro não será tanto daqueles que forem capazes de nos roubar uma aspiração tão fundamental, o erro primeiro será nosso por termos deixado que nos roubem a capacidade de sonhar, a ambição, metade da humanidade que recebemos dos nossos pais e dos nossos avós. Mas espero que não, acredito que não, não esquecemos a lição que aprendemos e que continuamos a aprender todos os dias com os professores. Tenho esperança.
O material que é trabalhado pelos professores não pode ser quantificado. Não há números ou casas decimais com suficiente precisão para medi-lo. A falta de quantificação não é culpa dos assuntos inquantificáveis, é culpa do nosso desejo de quantificar tudo. Os professores não vendem o material que trabalham, oferecem-no. Nós, com o tempo, com os anos, com a distância entre nós e nós, somos levados a acreditar que aquilo que os professores nos deram nos pertenceu desde sempre. Mais do que acharmos que esse material é nosso, achamos que nós próprios somos esse material. Por ironia ou capricho, é nesse momento que o trabalho dos professores se efectiva. O trabalho dos professores é a generosidade.
Basta um esforço mínimo da memória, basta um plim pequenino de gratidão para nos apercebermos do quanto devemos aos professores. Devemos-lhes muito daquilo que somos, devemos-lhes muito de tudo. Há algo de definitivo e eterno nessa missão, nesse verbo que é transmitido de geração em geração, ensinado. Com as suas pastas de professores, os seus blazers, os seus Ford Fiesta com cadeirinha para os filhos no banco de trás, os professores de hoje são iguais de ontem. O acto que praticam é igual ao que foi exercido por outros professores, com outros penteados, que existiram há séculos ou há décadas. O conhecimento que enche as páginas dos manuais aumentou e mudou, mas a essência daquilo que os professores fazem mantém-se. Essência, essa palavra que os professores recordam ciclicamente, essa mesma palavra que tendemos a esquecer.
Um ataque contra os professores é sempre um ataque contra nós próprios, contra o nosso futuro. Resistindo, os professores, pela sua prática, são os guardiões da esperança. Vemo-los a dar forma e sentido à esperança de crianças e de jovens, aceitamos essa evidência, mas falhamos perceber que são também eles que mantêm viva a esperança de que todos necessitamos para existir, para respirar, para estarmos vivos. Ai da sociedade que perdeu a esperança. Quem não tem esperança não está vivo. Mesmo que ainda respire, já morreu.
Envergonhem-se aqueles que dizem ter perdido a esperança. Envergonhem-se aqueles que dizem que não vale a pena lutar. Quando as dificuldades são maiores é quando o esforço para ultrapassá-las deve ser mais intenso. Sabemos que estamos aqui, o sangue atravessa-nos o corpo. Nascemos num dia em que quase nos pareceu ter nascido o mundo inteiro. Temos a graça de uma voz, podemos usá-la para exprimir todo o entendimento do que significa estar aqui, nesta posição. Em anos de aulas teóricas, aulas práticas, no laboratório, no ginásio, em visitas de estudo, sumários escritos no quadro no início da aula, os professores ensinaram-nos que existe vida para lá das certezas rígidas, opacas, que nos queiram apresentar. Se desligarmos a televisão por um instante, chegaremos facilmente à conclusão que, como nas aulas de matemática ou de filosofia, não há problemas que disponham de uma única solução. Da mesma maneira, não há fatalidades que não possam ser questionadas. É ao fazê-lo que se pensa e se encontra soluções.
Se nos conseguirem convencer a desistir de deixar um mundo melhor do que aquele que encontrámos, o erro não será tanto daqueles que forem capazes de nos roubar uma aspiração tão fundamental, o erro primeiro será nosso por termos deixado que nos roubem a capacidade de sonhar, a ambição, metade da humanidade que recebemos dos nossos pais e dos nossos avós. Mas espero que não, acredito que não, não esquecemos a lição que aprendemos e que continuamos a aprender todos os dias com os professores. Tenho esperança.
sexta-feira, 17 de novembro de 2017
Por uma avaliação a sério do desempenho jornalístico
Tendo em conta os diversos artigos de opinião que têm surgido um pouco por toda a imprensa (escrita e online), não resisto a trazer aqui a opinião do Paulo Guinote, num artigo publicado no blog O Meu Quintal:
Nota prévia: neste texto refiro-me ao que eu considero “operacionais” de projectos que têm muito mais de político ou económico (ou de vaidade pessoal) do que efectivamente de “jornalístico” e que circulam pelas direcções e chefias de órgãos de comunicação social como se fossem uma espécie de jogadores de futebol em circulação por clubes associados aos interesses de agentes do “mercado”. Não falo de quem , nas redacções faz o seu trabalho o melhor que sabe e lhe deixam, procurando sobreviver na selva.
Para que fique ainda mais claro falo dos baldaias, dinis, fernandes ou, no caso das vaidades, de um certo tavares protegido de alguém que não se importa da sua cegueira em relação ao que levou milhares de milhões ao erário público, mas a quem confunde muito que um professor ganhe mais 100 euros ao fim do mês.
(nem sequer incluo aqui aquele tipo que adorava as boalchinhas da mlr e que andou pelo cm e pelo i, conforme lhe deram a mão…)
Falo daqueles que sistematicamente criticam os professores e insistem em considerar que a classe docente não quer ser avaliada pelo seu mérito ou pelo desempenho dos seus alunos. Que no privado é que é, que no privado é que dói muito e só vence o tal “mérito”.
E eu reverto o argumento:
O que sabemos sobre o “mérito” de algumas destas figuras? Que “enterraram” as vendas de quantas publicações? Que “valor acrescentado” (para além de cortes nas redacções e despedimentos a granel) têm estas figuras para apresentar? Qual a evolução das vendas das publicações que dirigiram ou dirigem? E não me venham com o online, porque para isso era necessário demonstrar (o que nunca vi) que aquela publicidade funciona mesmo e paga “projectos” como o Observador que, se não tivesse investidores interessados em promover uma agenda político-ideológica muito específica não teria condições para andar a contratar os despojos de outros “projectos”, enterrados pela elite que temos de directores de jornais.
Poderão estes senhores (e algumas senhoras) explicar qual a “avaliação” que têm para nos apresentar? Se forem as vendas, estamos falados… só o cm se safaria. Nem o bastião do regime escaparia e basta ver o que o balsemão vai fazer ao seu grupo de comunicação, para se perceber que o “mérito” tem pouco reconhecimento no “mercado”. E nem sequer podem falar em grande concorrência – não me digam que é o facebook que os derrotou? – porque estão quase todos em falência mais do que técnica.
O que observa quem lê jornais e revistas há 35 anos e os comprou a fio durante décadas é uma atroz endogamia entre “investidores” e alguns jornalistas em cargos de chefia, bem como uma relação pantanosa com alguns interesses económicos. Basta ver como, subitamente, ninguém se lembra da publicidade plantada pelos salgados e bavas (e mexias e tantos outros) para obterem “boa imprensa”. Alguém terá coragem de avaliar o dinheiro que entrou em certos “projectos jornalísticos” com esta origem?
Ou – já agora – porque se falou numa lista de jornalistas com certo “rasto” nos papéis do panamá, a qual depois desapareceu sem deixar o tal “rasto” visível? Será muito estranho associar isso a certas movimentações que então aconteceram entre órgãos e grupos de comunicação social? É esse o “mérito” de que falam e querem que os outros demonstrem.
Os professores desenvolvem o seu trabalho de forma transparente. Há bons, maus, medíocres, suficientes e excelentes em diversas gradações e proporções. Como em muitas outras profissões, mas há uma meia dúzia de luminárias com direito a coluna regular e voz de comando nas redacções que se acha com valor e competência para duvidar sistematicamente da sua qualidade. Os alunos melhoraram o desempenho? Foram @s ministr@s da sua estimação que fizeram leis boas. As coisas correm mal este ou aquele ano nos exames ou provas de aferição? É falta de “formação” dos professores.
Mas se um jornal apresentar sistematicamente quebra de vendas ou de publicidade já é o “contexto” que explica tudo e não a incapacidade ou incompetência de quem os dirige que é sublinhada.
O duplo padrão é a moeda corrente das análises dos baldaias, dinis e fernandes. E nem falo da diva da página qualquer coisa do espesso semanário)
Mas ainda bem que nos exigem aquilo que não praticam.
Percebem que estamos em planos éticos realmente muito diferentes.
(e aposto que, apesar de muito liberais e defensores da liberdade de opinião sem verificação à tavares, não gostam nada que se lhes aponte este tipo de coisas…)
Nota prévia: neste texto refiro-me ao que eu considero “operacionais” de projectos que têm muito mais de político ou económico (ou de vaidade pessoal) do que efectivamente de “jornalístico” e que circulam pelas direcções e chefias de órgãos de comunicação social como se fossem uma espécie de jogadores de futebol em circulação por clubes associados aos interesses de agentes do “mercado”. Não falo de quem , nas redacções faz o seu trabalho o melhor que sabe e lhe deixam, procurando sobreviver na selva.
Para que fique ainda mais claro falo dos baldaias, dinis, fernandes ou, no caso das vaidades, de um certo tavares protegido de alguém que não se importa da sua cegueira em relação ao que levou milhares de milhões ao erário público, mas a quem confunde muito que um professor ganhe mais 100 euros ao fim do mês.
(nem sequer incluo aqui aquele tipo que adorava as boalchinhas da mlr e que andou pelo cm e pelo i, conforme lhe deram a mão…)
Falo daqueles que sistematicamente criticam os professores e insistem em considerar que a classe docente não quer ser avaliada pelo seu mérito ou pelo desempenho dos seus alunos. Que no privado é que é, que no privado é que dói muito e só vence o tal “mérito”.
E eu reverto o argumento:
O que sabemos sobre o “mérito” de algumas destas figuras? Que “enterraram” as vendas de quantas publicações? Que “valor acrescentado” (para além de cortes nas redacções e despedimentos a granel) têm estas figuras para apresentar? Qual a evolução das vendas das publicações que dirigiram ou dirigem? E não me venham com o online, porque para isso era necessário demonstrar (o que nunca vi) que aquela publicidade funciona mesmo e paga “projectos” como o Observador que, se não tivesse investidores interessados em promover uma agenda político-ideológica muito específica não teria condições para andar a contratar os despojos de outros “projectos”, enterrados pela elite que temos de directores de jornais.
Poderão estes senhores (e algumas senhoras) explicar qual a “avaliação” que têm para nos apresentar? Se forem as vendas, estamos falados… só o cm se safaria. Nem o bastião do regime escaparia e basta ver o que o balsemão vai fazer ao seu grupo de comunicação, para se perceber que o “mérito” tem pouco reconhecimento no “mercado”. E nem sequer podem falar em grande concorrência – não me digam que é o facebook que os derrotou? – porque estão quase todos em falência mais do que técnica.
O que observa quem lê jornais e revistas há 35 anos e os comprou a fio durante décadas é uma atroz endogamia entre “investidores” e alguns jornalistas em cargos de chefia, bem como uma relação pantanosa com alguns interesses económicos. Basta ver como, subitamente, ninguém se lembra da publicidade plantada pelos salgados e bavas (e mexias e tantos outros) para obterem “boa imprensa”. Alguém terá coragem de avaliar o dinheiro que entrou em certos “projectos jornalísticos” com esta origem?
Ou – já agora – porque se falou numa lista de jornalistas com certo “rasto” nos papéis do panamá, a qual depois desapareceu sem deixar o tal “rasto” visível? Será muito estranho associar isso a certas movimentações que então aconteceram entre órgãos e grupos de comunicação social? É esse o “mérito” de que falam e querem que os outros demonstrem.
Os professores desenvolvem o seu trabalho de forma transparente. Há bons, maus, medíocres, suficientes e excelentes em diversas gradações e proporções. Como em muitas outras profissões, mas há uma meia dúzia de luminárias com direito a coluna regular e voz de comando nas redacções que se acha com valor e competência para duvidar sistematicamente da sua qualidade. Os alunos melhoraram o desempenho? Foram @s ministr@s da sua estimação que fizeram leis boas. As coisas correm mal este ou aquele ano nos exames ou provas de aferição? É falta de “formação” dos professores.
Mas se um jornal apresentar sistematicamente quebra de vendas ou de publicidade já é o “contexto” que explica tudo e não a incapacidade ou incompetência de quem os dirige que é sublinhada.
O duplo padrão é a moeda corrente das análises dos baldaias, dinis e fernandes. E nem falo da diva da página qualquer coisa do espesso semanário)
Mas ainda bem que nos exigem aquilo que não praticam.
Percebem que estamos em planos éticos realmente muito diferentes.
(e aposto que, apesar de muito liberais e defensores da liberdade de opinião sem verificação à tavares, não gostam nada que se lhes aponte este tipo de coisas…)
Atualização:
terça-feira, 7 de novembro de 2017
Entrevista a António Damásio
Cada vez mais biólogo e menos neurocientista, António Damásio insiste nas humanidades para formar homens e cientistas. No seu mais recente livro dá primazia aos sentimentos como formadores de consciência e motor da ciência, e refere a necessidade de um pacto global sobre educação.
O que leva um estudante a levantar a mão quando o professor lhe fala de um tema que o intimida? Como reagirão as gerações que cresceram com as redes sociais, quando precisarem de tempo, mais tempo, do que o imediato? Estamos a viver uma crise na actual condição humana diz António Damásio no seu mais recente livro, A Estranha Ordem das Coisas, que dá prioridade aos sentimentos. Na vida, na ciência, na cultura. Horas depois de aterrar em Lisboa não esconde a emoção perante a edição portuguesa da Temas e Debates. Sorri. Pega no livro de quase 400 páginas, olha a contracapa e retrai a vontade imediata de ver tudo ali. Mais tarde confessará que é um chato com o português. Escreve em inglês, pensa em inglês, mas o português é a sua língua. Quando, ao longo da conversa, na oralidade, lhe sai um vocábulo em inglês trata de arranjar a tradução certa, sobretudo se for para descrever um sentimento. É que são os sentimentos o que está antes de tudo no livro que dedica à sua mulher, Hanna Damásio, e na conversa onde haverá de dizer, já desligado o gravador, que também fala alemão e namora em italiano. "É a língua do amor", refere. Como aprendeu? "A ouvir as óperas de Verdi."
Começa este livro, que vem na continuidade dos anteriores, por esclarecer o que chama de uma “ideia simples”, “como usamos os sentimentos para construir a nossa personalidade”. Peço-lhe que descreva, brevemente, o protagonista deste A Estranha Ordem das Coisas, os sentimentos?
Há a realidade científica daquilo que penso que são os sentimentos, mas há também uma mais alargada ligada a um tema que estamos [com a mulher, Hanna Damásio] a tratar por estes dias para uma conferência sobre ética. Parte dos sentimentos que temos como experiência têm a ver com as coisas mais valiosas da nossa vida; com todas as coisas sobre as quais podemos ter uma valência, as que verdadeiramente contam: vida, doença, dor, sofrimento, morte, desejo, amor, cuidado com o outros [to care]. E, ao mesmo tempo, crimes, medos, raivas, ódios, que têm a ver com o contrário das boas coisas da vida e que podem levar à perda [da vida], e, se não à perda da vida, ao sofrimento. Praticamente todas as coisas que governam ou desgovernam a nossa vida são normalmente transmitidas por uma valência de bom ou mau; de agradável ou desagradável, de recompensa ou punição. São essas que constituem o grande personagem dos sentimentos. Os sentimentos são representações do estado da nossa vida, mas representações qualificadas. Um dos problemas que mais me inquietam é essa impossibilidade que as pessoas têm tido de perceber que a inteligência – ou a nossa mente – vai só até um certo ponto e a partir daí tem de ter uma qualificação. Essa qualificação aparece em termos de agradável ou desagradável, de bom ou de mau, e é isso que faz a grande distinção entre a inteligência humana no sentido mais completo e a mente humana. À inteligência artificial, por exemplo, falta isso. Infelizmente as pessoas não se têm dado conta. Sou um adepto de inteligência artificial e tudo o que esse campo de tecnologia e de ciência nos tem trazido, mas é pena que poucas pessoas dentro desse mundo tenham compreendido que a inteligência artificial tal como é compreendida é uma pálida ideia daquilo que é a inteligência humana no seu real.
Ou seja, o humano, muito por via dos sentimentos, não pode ser replicado artificialmente.
De certeza que não pode ser nem simulado! Há uma grande diferença entre simulação e duplicação. O que a inteligência artificial faz, e muito bem, é uma simulação, e com capacidades extraordinárias, muito superiores àquelas que temos. A capacidade de inteligência no sentido mais directo e algorítmico que temos hoje em dia em matéria de memória, de estratégias de raciocínio é extraordinária. Faltam é essas outras qualidades que temos na nossa inteligência e que são absolutamente necessárias e extremamente realistas, porque têm a ver com aquilo que a vida é. Enquanto a vida concebida no sentido da inteligência artificial não tem nada a ver com aquilo que a vida é. A vida é outra coisa.
E o que é a vida?
É uma coisa venerável, confusa, efusiva. A grande arte dá-nos isso e a grande literatura dá isso extraordinariamente. Quando não se inclui essa componente de confusão, efusividade, aquilo que pode ser qualificável de bom ou de mau, perde-se uma grande parte do que é a vida. Por isso, e para acrescentar uma nota à sua pergunta anterior, os sentimentos como personagem são as representações, aquilo que está na nossa experiência mental quando estamos a viver uma vida real. E ao mesmo tempo uma forma de nos alertarem para aquilo que está a correr bem ou mal no sentido mais amplo do termo: a vida dentro de um organismo. Um organismo vivo, que tem bons momentos e maus momentos, que tem todas as variações e flutuações que vêm do seu metabolismo e que, porque tem mente e tem consciência – que é uma coisa que nós temos e as bactérias não – vai poder ter acesso a esse relato daquilo que está a correr bem ou mal.
No livro, fala da consciência da morte como definidor dessa humanidade, o sentimento de fim, que faz com que o homem encare a dor de outra maneira. A consciência da finitude é, desse modo, formadora não apenas de uma maneira de estar socialmente, como também criadora de uma linguagem. Como é que se transpõe esse saber da morte, muito vezes olhado como transcendência, para a ciência e muito concretamente para a biologia?
Tem sido difícil tratar essa questão. Uma das grandes barreiras é que a ciência, com a sua natural preocupação com a objectividade, teve enorme dificuldade em aceitar coisas que parecem extremamente subjectivas e confusas, com muitas variações, que é difícil de agarrar no sentido mais objectivo do termo. O facto de que os sentimentos são naturalmente subjectivos.
Isso tem sido matéria dos seus livros.
Sim, ando há 20 anos a explicar que sentimentos não são emoções. Mas é extraordinária a resistência. As coisas espantosas que dizem... falam de hearts and minds! Esperem um pouco: hearts and minds? O coração é a emoção, mas querem mesmo dizer coração? E querem mesmo dizer mente sem coração? As confusões são extraordinárias. Mas talvez o ponto mais importante é que as emoções são públicas. Quando está contente e se ri, ou quando está triste, quando está irritada tudo isso aparece na sua máscara. Aparece no rosto e no corpo. Quando se sente irritada ou triste ou alegre isso aparece unicamente em si. Você é a única pessoa que tem acesso a essa informação no sentido real. É uma experiência privada. Você pode simular a representação pública, mas essa distinção explica em grande parte porque é que as pessoas estão muito mais confortáveis quando falam de emoção: porque é público, porque é observável, enquanto os sentimentos têm de ser observáveis por dentro. Mas não estão de forma alguma fora do campo da ciência. É possível a cada um de nós fazer as observações, fazer o resumo dessas observações que é um campo científico e filosófico a que se chama fenomenologia. Portanto, temos a possibilidade de fazer as nossas próprias observações, partilhá-las com os outros, fazer comparações e fazer descrições o mais completas possível. Não há qualquer limitação do ponto de vista científico. Não há limitação da objectividade com que se pode estudar a subjectividade. E é isso que as pessoas não compreendem.
Sintetizando, fala de sentimentos e consciência, de emoções, de sensações.
Três coisas diferentes. Sensação é o que permite detectar a presença de um estímulo – e que as bactérias e as plantas também têm – e que gera uma resposta. Depois há certas respostas mais complexas. Em organismos simples, se tocar na criatura ela retrai-se. É a mesma reacção que terá se alguém a assustar, uma reacção emocional. Há reacções conservadas ao longo de biliões de anos e que são emocionais, reacções de movimento. O centro da palavra emotion é motion. Se alguém lhe perguntar a diferença entre emoção e sentimento agarre-se à palavra motion; o movimento está do lado das emoções e se está do lado das emoções está-se do lado daquilo que é visível para os outros. Sensação, no seu básico, não tem nada a ver com a emoção propriamente dita. A emoção é uma reposta complexa de movimento em relação a um estímulo que foi sentido e depois há o sentimento, que é a experiência mental daquilo que se passou no organismo quando houve sensação e emoção. São três graus. Um é extremamente simples, outro já é mais complexo, em que há uma resposta, e ainda um outro em que há o apreender consciente e mental daquilo que foi a resposta e que se passou no organismo. São mundos diferentes.
Podemos dizer que estamos no campo da subjectividade. É isso que o estimula do ponto de vista científico?
Sim, é extremamente importante. O que eu quero é dar objectividade científica àquilo que é uma coisa subjectiva, que é no fundo a definição da consciência. Grande parte do problema da consciência é o problema da subjectividade. É por isso, aliás, que é tão extraordinariamente difícil de perceber; é por isso que as pessoas têm enormes conflitos e desacordos sobre o que é a consciência. Cada vez mais estou absolutamente convencido que não é possível distinguir tecnicamente sentimento e consciência. O sentimento, muito possivelmente, foi o princípio da consciência do ponto de vista evolutivo. O sentimento com a sua natural subjectividade e tudo isso se estendeu a outras subjectividades: subjectividade do que está no exterior – eu tenho subjectividade em relação a si neste momento, mas também tenho subjectividade em relação ao meu interior. Por exemplo, sei neste momento que estou um bocado cansado, fiz uma viagem de 15 horas e estou fora da hora em que deveria estar. Tenho essa subjectividade. E tenho a subjectividade em relação a si, às paredes desta sala, ao que estou a ouvir atrás de mim. O que temos é uma grande possibilidade, muito rica, de juntar subjectividades dentro da nossa mente. A nossa mente é toda feita de subjectividades.
Esse é também o campo da arte.
Sim. E eu sou um apaixonado da literatura. A literatura é o modo mais rico, de todos os que temos, de entrar dentro da subjectividade de outra pessoa e de nos fazer perceber o que pode ser a outra pessoa, muito mais do que o cinema, do que o teatro, porque a situação em que estamos a ler é... devemos estar sozinhos e com um texto que podemos parar a qualquer altura. Pode ler um parágrafo e parar e pensar e retomar e reler. Não pode fazer isso com um filme a não ser que estrague tudo. Tecnicamente pode, mas ninguém vê um filme dessa maneira. A parte da experiência de ver um filme é vê-lo na continuidade de um determinado período de tempo.
Como cientista, a literatura pode ser-lhe útil – pese a ambiguidade da palavra – neste estudo?
Absolutamente. Tudo é útil, umas coisas mais do que outras, mas a literatura é extraordinariamente útil porque é uma entrada muito rica na mente, uma entrada que utiliza a vida subjectiva, os sentimentos. É muito curioso, quando se olha para as humanidades de uma forma geral, e para as artes vê-se como têm sido laboratórios de estudos. As pessoas não se aperceberam ainda de que uma boa parte do que se passa no mundo da grande arte é uma espécie de prefácio para o estudo científico dos seres humanos. Quando não havia uma estrutura laboratorial científica, as pessoas já estavam a...
Elaborar?
A elaborar. E a literatura tem sido um grande contributo. Quando me perguntam qual é o maior cientista de sempre respondo: na minha área, é Shakespeare.
Está lá tudo?
Praticamente tudo. Pelo menos esboçado. O que se tem é de desenvolver. Quer sejam as peças históricas, as tragédias ou as comédias, a própria poesia. Praticamente tudo aquilo que interessa, todos os grandes temas, estão lá. Entre as milhares de coisas que gostaria de escrever – se calhar não terei tempo –, seria fazer qualquer coisa com a neurociência ou a neurobiologia cognitiva vistas através do Hamlet e do Otelo. O Hamlet é praticamente suficiente. É tão rico e está tão cheio daquilo que conta... E talvez meter o Falstaff pelo meio para ficar mais completo.[risos]
Um dos capítulos do livro é sobre a crise do actual, “a actual condição humana”. Escreve: “Considerar os nossos dias como sendo os melhores de sempre seria preciso que estivéssemos muito distraídos”. Esta “crise” também é causa de uma certa resistência de parte de muitos cientistas em incluir as humanidades nas suas investigações?
A resposta é que há essa resistência, mas não da parte de todos. Há também quem adopte, quem veja o valor, o interesse, muitas vezes talvez porque na sua própria vida pessoal percebem que é importante e acabam por ser seduzidos por essas possibilidades. Se as pessoas trabalham em áreas muito microscópicas daquilo que é a ciência, mesmo que seja ciência humana, é mais difícil fazer a passagem directa. E não é uma coisa que se deva sequer criticar. É perfeitamente compreensível. Mas certas pessoas da minha geração, e até de algumas gerações a seguir, têm um enorme apreço pelas humanidades dentro da ciência. Não se devem fazer generalizações, mas é verdade que tem havido uma certa resistência e também alguma resistência militante. Em certas áreas, quando pessoas das humanidades olham para o contributo da teoria da evolução ou da genética... há tantos erros, tanta complicação, por exemplo a forma como parte desses conhecimentos levou a teorias sobre os seres humanos, da eugenia até aos extremos piores da exploração racista. Claro que há razões para as pessoas terem tido durante algum tempo uma certa rejeição e depois muitas vezes também têm o pavor do reducionismo. É um grande pavor também da parte das humanidades e, portanto, rejeitam que a ciência possa trazer alguma coisa de tão importante como aquilo que as humanidades têm trazido em matéria de compreender o que são os seres humanos.
Neste livro levanta duas ou três vezes esse problema...
Porque eu não tenho qualquer espécie de desejo de reduzir aquilo que são os seres humanos no seu mais sublime à ciência abstracta. Pelo contrário. Aquilo que acho, e cada vez acho mais e neste livro é a primeira vez que me apercebo, é isto: quando se ligam sentimentos à cultura, por um lado, e sentimentos à homeostasia e aos princípios da vida, o que estamos a fazer é a enriquecer a ligação entre a cultura e a vida. Ao contrário de reduzir, estamos a aumentar, a fazer com que esse fio seja mais visível.
A palavra homeostasia cruza todo o livro. Ela é completamente definidora do que é o humano?
É completamente definidora do que é um ser vivo.O ser humano precisa de ter não só os imperativos da homeostasia nos seus aspectos mais complexos, mas também desenvolvimentos que vêm com a multicelularidade, o aparecimento dos sistemas nervosos e depois o extraordinário desenvolvimento da capacidade dos sentimentos, consciência de mente com imagens...
Sobre a capacidade de criar imagens, escreve que “todas as imagens do mundo exterior são processadas de forma paralela às reações afectivas... ", e depois apela a um exercício: “pensemos na maravilha alcançada pelo nosso cérebro ao lidar com imagens de tantas variedades sensoriais, de origem externa e interna, ao ser capaz de as transformar nos filmes da nossa mente. Em comparação, a montagem de um filme é uma simples brincadeira.”
Exacto. Mas faço essencialmente uma abordagem crítica. Quando no início de tudo me falou da genealogia deste livro, há vários temas que venho a tratar há muitos anos, mas que agora me parecem, alguns, perfeitamente claros, e em que também tenho a coragem de dizer exactamente aquilo que penso sem estar com rodeios por poder ofender alguém que achasse que era pateta e novo de mais para estar a dizer coisas. Agora já posso dizer tudo o que me apetece.
Pode-se dizer que os sentimentos são fundadores da ciência?
Possivelmente são. São pelo menos motivadores. Neste livro há três papéis que dou aos sentimentos, ou ao afecto em geral. Primeiro, motivadores, depois monitores e depois negociadores. Os sentimentos intervêm nesses três pontos. São coisas diferentes. Uma é motivar, outra é a monitorização e a outra é a negociação de quando as coisas correm mal ou bem de mais. Há constantemente ajustes. Há pessoas que perante dois advogados a discutirem um contrato ou dois políticos a discutirem um tratado são capazes de pensar que isso está a acontecer num plano puramente intelectual; não está. Acontece num plano intelectual e acontece com toda a miríade de alterações que têm a ver com a forma como uma das pessoas apresenta o argumento e como a outra o recebe. Tudo isso é uma negociação que está a ser feita não só num plano de conhecimento e razão, coisas que se podem dizer objectivas e frias, mas também nesse outro plano que tem a ver com a forma como a negociação está a correr do ponto de vista afectivo. Essa é a realidade. Tem o exemplo espectacular do que se tem estado a passar nestes últimos dois anos com movimentos de populismo, de racismo em toda a parte. Muitas vezes, a forma como esses problemas são apresentados gera reacções de zanga e protesto puramente emocionais. Uma das coisas extraordinariamente curiosas é que quando as pessoas falam de emoções falam quase sempre do ponto de vista negativo das emoções. Muitas vezes acham que há o lado objectivo, o do bom raciocínio, e depois as emoções, más, que tornam as coisas irracionais. É um disparate completo, porque é limitar o âmbito das emoções ao negativo. Há emoções muito positivas; ter compaixão, gratidão, desejo de ajudar, cooperar. O amor! o desejo pelo amante, o amor pela criança que se está a criar.
É desse preconceito que vem a distinção entre inteligência e inteligência emocional?
Sim. As emoções muitas vezes ajudam a tomar a decisão e muitas vezes trazem o conhecimento, o discernimento, o destilar de uma série de conhecimentos que temos, uma vez que foram aplicados e qualificados. A intuição é uma maneira de fazer linha recta para a solução do problema sem andar por todas as fases intermédias. Essa intuição vem de uma forma emocional. Tudo isto tem imensa graça. As pessoas que descobriram o big data falam de como um grupo de computadores pode ler uma enorme quantidade de dados e tirar uma conclusão extremamente nova, verificando que aquilo é o que se deve fazer. Mas isso que o computador está a fazer é aquilo que a intuição humana faz há milhões de anos. O nosso cérebro é um big data system que tem imenso conhecimento do que é a nossa vida interior fisiológica e sobre o que é, e tem sido, a nossa vida em geral. E esse big data system está constantemente a dar-nos um dado institucional que é extremamente importante para a nossa vida. Tudo isso vem do lado das emoções e faz parte do que se poderia chamar inteligência emocional. Não uso o nome porque não acho que haja uma inteligência emocional e uma não emocional. Há inteligência.
Começa o capítulo dedicado à crise actual dizendo que nunca tivemos tanta informação nem tanta possibilidade de sermos felizes, mas... E critica os media públicos e o seu modelo lucrativo de negócio, reduzindo a qualidade de informação; questiona o valor de entretenimento aplicado à história jornalística e afirma: "Embora a literacia científica e técnica nunca tenha estado tão desenvolvida, o público dedica muito pouco tempo à leitura de romances ou de poesia, que continuam a ser a forma mais garantida e recompensadora de penetrar na comédia e no drama da existência, e de ter oportunidade de reflectir sobre aquilo que somos ou podemos vir a ser. Ao que parece não há tempo a perder com a questão pouco lucrativa de, pura e simplesmente, ser.” Que cultura é esta que parece rejeitar a criação de pensamento e se fica pela emoção?
Historicamente, quando se vê o que tem sido a marcha dos seres vivos, há coisas que são previsíveis e outras que não são. E depois há certas coisas que acontecem, em que as pessoas não apreendem nem prevêem as consequências. O que se está a passar, por exemplo com a Internet e as redes sociais, é uma entrada extremamente larga dentro das mentes. É uma coisa que entra dentro de nós e que tem o poder de modificar a forma como pensamos e nos comportamos.
A sociabilização.
Exacto. Há uma entrada dentro do que somos do ponto de vista mental a um nível completamente diferente de outras tecnologias. Não é tão somente um telefone. É o telefone e a possibilidade de entrar num mundo de conhecimento de forma imediata. Ter essa informação toda é extraordinário mas o que temos de pensar é o que acontece com as pessoas que só têm vivido com isso e não tiveram a possibilidade de se desenvolver com mais distância em relação ao que se está a passar nessa rapidez de tecnologia. Há também o problema do que vai acontecer quando as pessoas ficarem sem tempo para reflectir sobre o que estão a viver. Vão ter a possibilidade de ter tudo muito rapidamente, a quantidade de informação é enorme e a maneira de resolver os conflitos tem de ser diferente. E vai ser mais complicada porque não há tempo para o discernimento. É possível fazer o contra-argumento: é o problema que temos por sermos de uma geração anterior e não termos crescido com isso, e os cérebros das pessoas que já cresceram com isso estão adaptados. Isso é verdade em parte, mas não quer dizer que essas novas pessoas que cresceram dessa maneira não tenham ao mesmo tempo reduzido a sua possibilidade de olhar para o mundo de uma forma mais calma e mais completa e reflectida. É um problema em aberto, que tem de ser estudado, e não o tem sido porque tudo está a acontecer agora.
Usa as expressões “bancarrota espiritual” e “bancarrota moral” para classificar o que está a acontecer.
E poderia juntar aqui a trigger warning, que está ligada a tudo isso. Por exemplo, numa aula pode haver uma discussão sobre violência ou sobre sexo e um aluno levanta a mão a dizer trigger warning, i dont feel safe anymore. É uma concepção da vida como se a pessoa pudesse viver protegida de tudo o que não é conveniente e, ao mesmo tempo, ficar sem a possibilidade de perceber o que se está a passar e de se defender inteligentemente. O presidente actual da Universidade de Chicago tem escrito sobre isso e diz que eles rejeitam isso ao abrigo do trigger warning e isso é uma remoção da educação e nós, como universidade, não vamos deixar que os nossos estudantes sejam amputados e fiquem sem a possibilidade de responder inteligentemente às ameaças. Tudo isto são problemas para serem estudados. É relativamente fácil olhar para a situação e reconhecer que o progresso é extraordinário, as possibilidades são magníficas e ao mesmo tempo também temos de reconhecer que precisam de ser estudadas para ver se podem correr melhor. As razões pelas quais as coisas não correm bem serão imensas mas há possibilidades. A questão que referia há pouco, do ser, é tão importante e parte do pressuposto de se conseguir estar consigo próprio e observar a maravilha da existência sem preocupações com aquilo que vem antes ou depois. É uma capacidade unicamente humana.
Estamos há muito tempo a conversar e pergunto-lhe o que é que isto tudo tem a ver com biologia?
Há biologia em variadíssimas áreas. A biologia no que diz respeito à nossa violência ancestral. Somos primatas, a nossa herança é a de animais... e trazemos a autodestruição connosco. Falo de Freud e da ideia de auto-destruição. Ele chama a atenção para uma coisa que é muito real e que as pessoas muitas vezes querem esquecer: a ideia de que somos capazes de violência. E há uma ideia que é consequente a essa e tem a ver com a educação, com o facto de que a única maneira de resolver o problema da nossa violência natural e de como naturalmente as pessoas querem estar com aqueles que são parecidos e não com os diferentes. Tem de haver um plano de educação extraordinário, uma espécie de super-plano de investimento global que não tem sido feito por razões que são também históricas e sociopolíticas.
O mundo é dividido, depois há uma crise económica, uma crise política que leva a migrações, essas migrações trazem dificuldades e há reacções contra e não há possibilidade de coordenar globalmente um plano educacional. Para mim não é uma ideia mítica, acho possível. Não é possível só com as Nações Unidas. Tem sido possível em certos períodos. Os Estados Unidos, com todos os seus problemas, tiveram uma acção extraordinária no pós-guerra. Há um período que não é de paz completa, em que houve um investimento em reconstruir países e permitir que houvesse um alargamento da educação e da maneira de compreender outros que são diferentes. É uma grande projecto que, em parte, funcionou, tem funcionado, mas que neste momento está a ser ameaçado.
Já viveu no Iowa, em Chicago, agora vive em Los Angeles. Da sua experiência pessoal, as diferenças acentuaram-se entre esses três mundos geográficos. Há um país muito dividido. Um centro que se sente esquecido e as margens liberais.
Há muitas semelhanças com as experiências europeias. Nos EUA é uma coisa mais orgânica. Sempre tiveram enormes divisões geográficas. Há uma narrativa histórica que conseguiu compensar e impor um bom funcionamento em conjunto à volta de certos mitos e neste momento há uma fragilidade das relações, há fenómenos económicos extraordinariamente importantes e há uma evolução de tempos diferentes em diversas comunidades. Mas veja a Europa, encontra exactamente os mesmos problemas – que na Europa são muito velhos e um pouco esquecidos. Isso está dentro do que são os seres humanos; os seres humanos a criarem um grupo, uma história com determinados hábitos, determinadas preferências e a forma como aceitam, ou não, que isso possa ser suplantando.
Começa este livro, que vem na continuidade dos anteriores, por esclarecer o que chama de uma “ideia simples”, “como usamos os sentimentos para construir a nossa personalidade”. Peço-lhe que descreva, brevemente, o protagonista deste A Estranha Ordem das Coisas, os sentimentos?
Há a realidade científica daquilo que penso que são os sentimentos, mas há também uma mais alargada ligada a um tema que estamos [com a mulher, Hanna Damásio] a tratar por estes dias para uma conferência sobre ética. Parte dos sentimentos que temos como experiência têm a ver com as coisas mais valiosas da nossa vida; com todas as coisas sobre as quais podemos ter uma valência, as que verdadeiramente contam: vida, doença, dor, sofrimento, morte, desejo, amor, cuidado com o outros [to care]. E, ao mesmo tempo, crimes, medos, raivas, ódios, que têm a ver com o contrário das boas coisas da vida e que podem levar à perda [da vida], e, se não à perda da vida, ao sofrimento. Praticamente todas as coisas que governam ou desgovernam a nossa vida são normalmente transmitidas por uma valência de bom ou mau; de agradável ou desagradável, de recompensa ou punição. São essas que constituem o grande personagem dos sentimentos. Os sentimentos são representações do estado da nossa vida, mas representações qualificadas. Um dos problemas que mais me inquietam é essa impossibilidade que as pessoas têm tido de perceber que a inteligência – ou a nossa mente – vai só até um certo ponto e a partir daí tem de ter uma qualificação. Essa qualificação aparece em termos de agradável ou desagradável, de bom ou de mau, e é isso que faz a grande distinção entre a inteligência humana no sentido mais completo e a mente humana. À inteligência artificial, por exemplo, falta isso. Infelizmente as pessoas não se têm dado conta. Sou um adepto de inteligência artificial e tudo o que esse campo de tecnologia e de ciência nos tem trazido, mas é pena que poucas pessoas dentro desse mundo tenham compreendido que a inteligência artificial tal como é compreendida é uma pálida ideia daquilo que é a inteligência humana no seu real.
Ou seja, o humano, muito por via dos sentimentos, não pode ser replicado artificialmente.
De certeza que não pode ser nem simulado! Há uma grande diferença entre simulação e duplicação. O que a inteligência artificial faz, e muito bem, é uma simulação, e com capacidades extraordinárias, muito superiores àquelas que temos. A capacidade de inteligência no sentido mais directo e algorítmico que temos hoje em dia em matéria de memória, de estratégias de raciocínio é extraordinária. Faltam é essas outras qualidades que temos na nossa inteligência e que são absolutamente necessárias e extremamente realistas, porque têm a ver com aquilo que a vida é. Enquanto a vida concebida no sentido da inteligência artificial não tem nada a ver com aquilo que a vida é. A vida é outra coisa.
E o que é a vida?
É uma coisa venerável, confusa, efusiva. A grande arte dá-nos isso e a grande literatura dá isso extraordinariamente. Quando não se inclui essa componente de confusão, efusividade, aquilo que pode ser qualificável de bom ou de mau, perde-se uma grande parte do que é a vida. Por isso, e para acrescentar uma nota à sua pergunta anterior, os sentimentos como personagem são as representações, aquilo que está na nossa experiência mental quando estamos a viver uma vida real. E ao mesmo tempo uma forma de nos alertarem para aquilo que está a correr bem ou mal no sentido mais amplo do termo: a vida dentro de um organismo. Um organismo vivo, que tem bons momentos e maus momentos, que tem todas as variações e flutuações que vêm do seu metabolismo e que, porque tem mente e tem consciência – que é uma coisa que nós temos e as bactérias não – vai poder ter acesso a esse relato daquilo que está a correr bem ou mal.
No livro, fala da consciência da morte como definidor dessa humanidade, o sentimento de fim, que faz com que o homem encare a dor de outra maneira. A consciência da finitude é, desse modo, formadora não apenas de uma maneira de estar socialmente, como também criadora de uma linguagem. Como é que se transpõe esse saber da morte, muito vezes olhado como transcendência, para a ciência e muito concretamente para a biologia?
Tem sido difícil tratar essa questão. Uma das grandes barreiras é que a ciência, com a sua natural preocupação com a objectividade, teve enorme dificuldade em aceitar coisas que parecem extremamente subjectivas e confusas, com muitas variações, que é difícil de agarrar no sentido mais objectivo do termo. O facto de que os sentimentos são naturalmente subjectivos.
Isso tem sido matéria dos seus livros.
Sim, ando há 20 anos a explicar que sentimentos não são emoções. Mas é extraordinária a resistência. As coisas espantosas que dizem... falam de hearts and minds! Esperem um pouco: hearts and minds? O coração é a emoção, mas querem mesmo dizer coração? E querem mesmo dizer mente sem coração? As confusões são extraordinárias. Mas talvez o ponto mais importante é que as emoções são públicas. Quando está contente e se ri, ou quando está triste, quando está irritada tudo isso aparece na sua máscara. Aparece no rosto e no corpo. Quando se sente irritada ou triste ou alegre isso aparece unicamente em si. Você é a única pessoa que tem acesso a essa informação no sentido real. É uma experiência privada. Você pode simular a representação pública, mas essa distinção explica em grande parte porque é que as pessoas estão muito mais confortáveis quando falam de emoção: porque é público, porque é observável, enquanto os sentimentos têm de ser observáveis por dentro. Mas não estão de forma alguma fora do campo da ciência. É possível a cada um de nós fazer as observações, fazer o resumo dessas observações que é um campo científico e filosófico a que se chama fenomenologia. Portanto, temos a possibilidade de fazer as nossas próprias observações, partilhá-las com os outros, fazer comparações e fazer descrições o mais completas possível. Não há qualquer limitação do ponto de vista científico. Não há limitação da objectividade com que se pode estudar a subjectividade. E é isso que as pessoas não compreendem.
Sintetizando, fala de sentimentos e consciência, de emoções, de sensações.
Três coisas diferentes. Sensação é o que permite detectar a presença de um estímulo – e que as bactérias e as plantas também têm – e que gera uma resposta. Depois há certas respostas mais complexas. Em organismos simples, se tocar na criatura ela retrai-se. É a mesma reacção que terá se alguém a assustar, uma reacção emocional. Há reacções conservadas ao longo de biliões de anos e que são emocionais, reacções de movimento. O centro da palavra emotion é motion. Se alguém lhe perguntar a diferença entre emoção e sentimento agarre-se à palavra motion; o movimento está do lado das emoções e se está do lado das emoções está-se do lado daquilo que é visível para os outros. Sensação, no seu básico, não tem nada a ver com a emoção propriamente dita. A emoção é uma reposta complexa de movimento em relação a um estímulo que foi sentido e depois há o sentimento, que é a experiência mental daquilo que se passou no organismo quando houve sensação e emoção. São três graus. Um é extremamente simples, outro já é mais complexo, em que há uma resposta, e ainda um outro em que há o apreender consciente e mental daquilo que foi a resposta e que se passou no organismo. São mundos diferentes.
Podemos dizer que estamos no campo da subjectividade. É isso que o estimula do ponto de vista científico?
Sim, é extremamente importante. O que eu quero é dar objectividade científica àquilo que é uma coisa subjectiva, que é no fundo a definição da consciência. Grande parte do problema da consciência é o problema da subjectividade. É por isso, aliás, que é tão extraordinariamente difícil de perceber; é por isso que as pessoas têm enormes conflitos e desacordos sobre o que é a consciência. Cada vez mais estou absolutamente convencido que não é possível distinguir tecnicamente sentimento e consciência. O sentimento, muito possivelmente, foi o princípio da consciência do ponto de vista evolutivo. O sentimento com a sua natural subjectividade e tudo isso se estendeu a outras subjectividades: subjectividade do que está no exterior – eu tenho subjectividade em relação a si neste momento, mas também tenho subjectividade em relação ao meu interior. Por exemplo, sei neste momento que estou um bocado cansado, fiz uma viagem de 15 horas e estou fora da hora em que deveria estar. Tenho essa subjectividade. E tenho a subjectividade em relação a si, às paredes desta sala, ao que estou a ouvir atrás de mim. O que temos é uma grande possibilidade, muito rica, de juntar subjectividades dentro da nossa mente. A nossa mente é toda feita de subjectividades.
Esse é também o campo da arte.
Sim. E eu sou um apaixonado da literatura. A literatura é o modo mais rico, de todos os que temos, de entrar dentro da subjectividade de outra pessoa e de nos fazer perceber o que pode ser a outra pessoa, muito mais do que o cinema, do que o teatro, porque a situação em que estamos a ler é... devemos estar sozinhos e com um texto que podemos parar a qualquer altura. Pode ler um parágrafo e parar e pensar e retomar e reler. Não pode fazer isso com um filme a não ser que estrague tudo. Tecnicamente pode, mas ninguém vê um filme dessa maneira. A parte da experiência de ver um filme é vê-lo na continuidade de um determinado período de tempo.
Como cientista, a literatura pode ser-lhe útil – pese a ambiguidade da palavra – neste estudo?
Absolutamente. Tudo é útil, umas coisas mais do que outras, mas a literatura é extraordinariamente útil porque é uma entrada muito rica na mente, uma entrada que utiliza a vida subjectiva, os sentimentos. É muito curioso, quando se olha para as humanidades de uma forma geral, e para as artes vê-se como têm sido laboratórios de estudos. As pessoas não se aperceberam ainda de que uma boa parte do que se passa no mundo da grande arte é uma espécie de prefácio para o estudo científico dos seres humanos. Quando não havia uma estrutura laboratorial científica, as pessoas já estavam a...
Elaborar?
A elaborar. E a literatura tem sido um grande contributo. Quando me perguntam qual é o maior cientista de sempre respondo: na minha área, é Shakespeare.
Está lá tudo?
Praticamente tudo. Pelo menos esboçado. O que se tem é de desenvolver. Quer sejam as peças históricas, as tragédias ou as comédias, a própria poesia. Praticamente tudo aquilo que interessa, todos os grandes temas, estão lá. Entre as milhares de coisas que gostaria de escrever – se calhar não terei tempo –, seria fazer qualquer coisa com a neurociência ou a neurobiologia cognitiva vistas através do Hamlet e do Otelo. O Hamlet é praticamente suficiente. É tão rico e está tão cheio daquilo que conta... E talvez meter o Falstaff pelo meio para ficar mais completo.[risos]
Um dos capítulos do livro é sobre a crise do actual, “a actual condição humana”. Escreve: “Considerar os nossos dias como sendo os melhores de sempre seria preciso que estivéssemos muito distraídos”. Esta “crise” também é causa de uma certa resistência de parte de muitos cientistas em incluir as humanidades nas suas investigações?
A resposta é que há essa resistência, mas não da parte de todos. Há também quem adopte, quem veja o valor, o interesse, muitas vezes talvez porque na sua própria vida pessoal percebem que é importante e acabam por ser seduzidos por essas possibilidades. Se as pessoas trabalham em áreas muito microscópicas daquilo que é a ciência, mesmo que seja ciência humana, é mais difícil fazer a passagem directa. E não é uma coisa que se deva sequer criticar. É perfeitamente compreensível. Mas certas pessoas da minha geração, e até de algumas gerações a seguir, têm um enorme apreço pelas humanidades dentro da ciência. Não se devem fazer generalizações, mas é verdade que tem havido uma certa resistência e também alguma resistência militante. Em certas áreas, quando pessoas das humanidades olham para o contributo da teoria da evolução ou da genética... há tantos erros, tanta complicação, por exemplo a forma como parte desses conhecimentos levou a teorias sobre os seres humanos, da eugenia até aos extremos piores da exploração racista. Claro que há razões para as pessoas terem tido durante algum tempo uma certa rejeição e depois muitas vezes também têm o pavor do reducionismo. É um grande pavor também da parte das humanidades e, portanto, rejeitam que a ciência possa trazer alguma coisa de tão importante como aquilo que as humanidades têm trazido em matéria de compreender o que são os seres humanos.
Neste livro levanta duas ou três vezes esse problema...
Porque eu não tenho qualquer espécie de desejo de reduzir aquilo que são os seres humanos no seu mais sublime à ciência abstracta. Pelo contrário. Aquilo que acho, e cada vez acho mais e neste livro é a primeira vez que me apercebo, é isto: quando se ligam sentimentos à cultura, por um lado, e sentimentos à homeostasia e aos princípios da vida, o que estamos a fazer é a enriquecer a ligação entre a cultura e a vida. Ao contrário de reduzir, estamos a aumentar, a fazer com que esse fio seja mais visível.
A palavra homeostasia cruza todo o livro. Ela é completamente definidora do que é o humano?
É completamente definidora do que é um ser vivo.O ser humano precisa de ter não só os imperativos da homeostasia nos seus aspectos mais complexos, mas também desenvolvimentos que vêm com a multicelularidade, o aparecimento dos sistemas nervosos e depois o extraordinário desenvolvimento da capacidade dos sentimentos, consciência de mente com imagens...
Sobre a capacidade de criar imagens, escreve que “todas as imagens do mundo exterior são processadas de forma paralela às reações afectivas... ", e depois apela a um exercício: “pensemos na maravilha alcançada pelo nosso cérebro ao lidar com imagens de tantas variedades sensoriais, de origem externa e interna, ao ser capaz de as transformar nos filmes da nossa mente. Em comparação, a montagem de um filme é uma simples brincadeira.”
Exacto. Mas faço essencialmente uma abordagem crítica. Quando no início de tudo me falou da genealogia deste livro, há vários temas que venho a tratar há muitos anos, mas que agora me parecem, alguns, perfeitamente claros, e em que também tenho a coragem de dizer exactamente aquilo que penso sem estar com rodeios por poder ofender alguém que achasse que era pateta e novo de mais para estar a dizer coisas. Agora já posso dizer tudo o que me apetece.
Pode-se dizer que os sentimentos são fundadores da ciência?
Possivelmente são. São pelo menos motivadores. Neste livro há três papéis que dou aos sentimentos, ou ao afecto em geral. Primeiro, motivadores, depois monitores e depois negociadores. Os sentimentos intervêm nesses três pontos. São coisas diferentes. Uma é motivar, outra é a monitorização e a outra é a negociação de quando as coisas correm mal ou bem de mais. Há constantemente ajustes. Há pessoas que perante dois advogados a discutirem um contrato ou dois políticos a discutirem um tratado são capazes de pensar que isso está a acontecer num plano puramente intelectual; não está. Acontece num plano intelectual e acontece com toda a miríade de alterações que têm a ver com a forma como uma das pessoas apresenta o argumento e como a outra o recebe. Tudo isso é uma negociação que está a ser feita não só num plano de conhecimento e razão, coisas que se podem dizer objectivas e frias, mas também nesse outro plano que tem a ver com a forma como a negociação está a correr do ponto de vista afectivo. Essa é a realidade. Tem o exemplo espectacular do que se tem estado a passar nestes últimos dois anos com movimentos de populismo, de racismo em toda a parte. Muitas vezes, a forma como esses problemas são apresentados gera reacções de zanga e protesto puramente emocionais. Uma das coisas extraordinariamente curiosas é que quando as pessoas falam de emoções falam quase sempre do ponto de vista negativo das emoções. Muitas vezes acham que há o lado objectivo, o do bom raciocínio, e depois as emoções, más, que tornam as coisas irracionais. É um disparate completo, porque é limitar o âmbito das emoções ao negativo. Há emoções muito positivas; ter compaixão, gratidão, desejo de ajudar, cooperar. O amor! o desejo pelo amante, o amor pela criança que se está a criar.
É desse preconceito que vem a distinção entre inteligência e inteligência emocional?
Sim. As emoções muitas vezes ajudam a tomar a decisão e muitas vezes trazem o conhecimento, o discernimento, o destilar de uma série de conhecimentos que temos, uma vez que foram aplicados e qualificados. A intuição é uma maneira de fazer linha recta para a solução do problema sem andar por todas as fases intermédias. Essa intuição vem de uma forma emocional. Tudo isto tem imensa graça. As pessoas que descobriram o big data falam de como um grupo de computadores pode ler uma enorme quantidade de dados e tirar uma conclusão extremamente nova, verificando que aquilo é o que se deve fazer. Mas isso que o computador está a fazer é aquilo que a intuição humana faz há milhões de anos. O nosso cérebro é um big data system que tem imenso conhecimento do que é a nossa vida interior fisiológica e sobre o que é, e tem sido, a nossa vida em geral. E esse big data system está constantemente a dar-nos um dado institucional que é extremamente importante para a nossa vida. Tudo isso vem do lado das emoções e faz parte do que se poderia chamar inteligência emocional. Não uso o nome porque não acho que haja uma inteligência emocional e uma não emocional. Há inteligência.
Começa o capítulo dedicado à crise actual dizendo que nunca tivemos tanta informação nem tanta possibilidade de sermos felizes, mas... E critica os media públicos e o seu modelo lucrativo de negócio, reduzindo a qualidade de informação; questiona o valor de entretenimento aplicado à história jornalística e afirma: "Embora a literacia científica e técnica nunca tenha estado tão desenvolvida, o público dedica muito pouco tempo à leitura de romances ou de poesia, que continuam a ser a forma mais garantida e recompensadora de penetrar na comédia e no drama da existência, e de ter oportunidade de reflectir sobre aquilo que somos ou podemos vir a ser. Ao que parece não há tempo a perder com a questão pouco lucrativa de, pura e simplesmente, ser.” Que cultura é esta que parece rejeitar a criação de pensamento e se fica pela emoção?
Historicamente, quando se vê o que tem sido a marcha dos seres vivos, há coisas que são previsíveis e outras que não são. E depois há certas coisas que acontecem, em que as pessoas não apreendem nem prevêem as consequências. O que se está a passar, por exemplo com a Internet e as redes sociais, é uma entrada extremamente larga dentro das mentes. É uma coisa que entra dentro de nós e que tem o poder de modificar a forma como pensamos e nos comportamos.
A sociabilização.
Exacto. Há uma entrada dentro do que somos do ponto de vista mental a um nível completamente diferente de outras tecnologias. Não é tão somente um telefone. É o telefone e a possibilidade de entrar num mundo de conhecimento de forma imediata. Ter essa informação toda é extraordinário mas o que temos de pensar é o que acontece com as pessoas que só têm vivido com isso e não tiveram a possibilidade de se desenvolver com mais distância em relação ao que se está a passar nessa rapidez de tecnologia. Há também o problema do que vai acontecer quando as pessoas ficarem sem tempo para reflectir sobre o que estão a viver. Vão ter a possibilidade de ter tudo muito rapidamente, a quantidade de informação é enorme e a maneira de resolver os conflitos tem de ser diferente. E vai ser mais complicada porque não há tempo para o discernimento. É possível fazer o contra-argumento: é o problema que temos por sermos de uma geração anterior e não termos crescido com isso, e os cérebros das pessoas que já cresceram com isso estão adaptados. Isso é verdade em parte, mas não quer dizer que essas novas pessoas que cresceram dessa maneira não tenham ao mesmo tempo reduzido a sua possibilidade de olhar para o mundo de uma forma mais calma e mais completa e reflectida. É um problema em aberto, que tem de ser estudado, e não o tem sido porque tudo está a acontecer agora.
Usa as expressões “bancarrota espiritual” e “bancarrota moral” para classificar o que está a acontecer.
E poderia juntar aqui a trigger warning, que está ligada a tudo isso. Por exemplo, numa aula pode haver uma discussão sobre violência ou sobre sexo e um aluno levanta a mão a dizer trigger warning, i dont feel safe anymore. É uma concepção da vida como se a pessoa pudesse viver protegida de tudo o que não é conveniente e, ao mesmo tempo, ficar sem a possibilidade de perceber o que se está a passar e de se defender inteligentemente. O presidente actual da Universidade de Chicago tem escrito sobre isso e diz que eles rejeitam isso ao abrigo do trigger warning e isso é uma remoção da educação e nós, como universidade, não vamos deixar que os nossos estudantes sejam amputados e fiquem sem a possibilidade de responder inteligentemente às ameaças. Tudo isto são problemas para serem estudados. É relativamente fácil olhar para a situação e reconhecer que o progresso é extraordinário, as possibilidades são magníficas e ao mesmo tempo também temos de reconhecer que precisam de ser estudadas para ver se podem correr melhor. As razões pelas quais as coisas não correm bem serão imensas mas há possibilidades. A questão que referia há pouco, do ser, é tão importante e parte do pressuposto de se conseguir estar consigo próprio e observar a maravilha da existência sem preocupações com aquilo que vem antes ou depois. É uma capacidade unicamente humana.
Estamos há muito tempo a conversar e pergunto-lhe o que é que isto tudo tem a ver com biologia?
Há biologia em variadíssimas áreas. A biologia no que diz respeito à nossa violência ancestral. Somos primatas, a nossa herança é a de animais... e trazemos a autodestruição connosco. Falo de Freud e da ideia de auto-destruição. Ele chama a atenção para uma coisa que é muito real e que as pessoas muitas vezes querem esquecer: a ideia de que somos capazes de violência. E há uma ideia que é consequente a essa e tem a ver com a educação, com o facto de que a única maneira de resolver o problema da nossa violência natural e de como naturalmente as pessoas querem estar com aqueles que são parecidos e não com os diferentes. Tem de haver um plano de educação extraordinário, uma espécie de super-plano de investimento global que não tem sido feito por razões que são também históricas e sociopolíticas.
O mundo é dividido, depois há uma crise económica, uma crise política que leva a migrações, essas migrações trazem dificuldades e há reacções contra e não há possibilidade de coordenar globalmente um plano educacional. Para mim não é uma ideia mítica, acho possível. Não é possível só com as Nações Unidas. Tem sido possível em certos períodos. Os Estados Unidos, com todos os seus problemas, tiveram uma acção extraordinária no pós-guerra. Há um período que não é de paz completa, em que houve um investimento em reconstruir países e permitir que houvesse um alargamento da educação e da maneira de compreender outros que são diferentes. É uma grande projecto que, em parte, funcionou, tem funcionado, mas que neste momento está a ser ameaçado.
Já viveu no Iowa, em Chicago, agora vive em Los Angeles. Da sua experiência pessoal, as diferenças acentuaram-se entre esses três mundos geográficos. Há um país muito dividido. Um centro que se sente esquecido e as margens liberais.
Há muitas semelhanças com as experiências europeias. Nos EUA é uma coisa mais orgânica. Sempre tiveram enormes divisões geográficas. Há uma narrativa histórica que conseguiu compensar e impor um bom funcionamento em conjunto à volta de certos mitos e neste momento há uma fragilidade das relações, há fenómenos económicos extraordinariamente importantes e há uma evolução de tempos diferentes em diversas comunidades. Mas veja a Europa, encontra exactamente os mesmos problemas – que na Europa são muito velhos e um pouco esquecidos. Isso está dentro do que são os seres humanos; os seres humanos a criarem um grupo, uma história com determinados hábitos, determinadas preferências e a forma como aceitam, ou não, que isso possa ser suplantando.
sexta-feira, 3 de novembro de 2017
Informações-Prova para o Ano Letivo 2017/2018
Fonte: PortalMath
Provas de Aferição
Matemática 92 [pdf]
Português 91 [pdf]
Português Língua Não Materna (A2) 93 [pdf]
Português Língua Não Materna (B1) 94 [pdf]
Português Língua Segunda 95 [pdf]
Exames Finais Nacionais do Ensino Secundário
Alemão 501 [pdf]
Biologia e Geologia 702 [pdf]
Desenho A 706 [pdf]
Economia A 712 [pdf]
Espanhol 547 [pdf]
Filosofia 714 [pdf]
Física e Química A 715 [pdf]
Francês 517 [pdf]
Geografia A 719 [pdf]
Geometria Descritiva A 708 [pdf]
História A 623 [pdf]
História B 723 [pdf]
História da Cultura e das Artes 724 [pdf]
Inglês 550 [pdf]
Latim A 732 [pdf]
Literatura Portuguesa 734 [pdf]
Matemática Aplicada às Ciências Sociais 835 [pdf]
Matemática A 635 [pdf]
Matemática B 735 [pdf]
Português 639 [pdf]
Português Língua Segunda 138 [pdf]
Português Língua Não Materna (B1) 839 [pdf]
Fonte: IAVE
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