terça-feira, 21 de dezembro de 2021

As origens do Natal

Não se sabe o dia em que Jesus Cristo nasceu. O dia 25 de Dezembro é uma convenção cristã, que assenta em tradições pagãs. Nem sequer se sabe o ano em que Cristo nasceu. Muito provavelmente nasceu entre os anos 6 e 4 a.C., isto é, antes da era Cristã, mas, mais uma vez, trata-se de uma convenção cristã, bem mais tardia do que a do 25 de Dezembro. Quais são as origens do Natal, que é talvez a data festiva mais importante no nosso calendário?

Jesus Cristo, a figura central do Cristianismo, tem, decerto, existência histórica, mas essa existência está envolvida numa nuvem de mistérios. Os historiadores concordam que um pregador judeu foi condenado à morte na cruz por Pôncio Pilatos, o governador romano da Judeia, no tempo do imperador Tibério em Roma. Os quatro Evangelhos canónicos falam da crucificação de Cristo. Mas sabe-se menos sobre o nascimento. Dos quatro Evangelhos só dois o relatam: segundo o Evangelho de São Lucas, José e Maria viajaram de Nazaré para Belém, um lugar da Judeia pouco a Sul de Jerusalém, por altura de um censos. Segundo o Evangelho de São Mateus, que concorda com o nascimento em Belém, o Menino Jesus é visitado pelos «reis magos», que vêm do Oriente alertados por uma estrela. O governador Herodes, um antecessor de Pilatos, terá ordenado a «matança de inocentes», que obrigou a família de Jesus a fugir para o Egipto. Herodes existiu mesmo, mas o referido massacre é provavelmente um mito.

Os Evangelhos que relatam a Natividade são omissos quanto ao dia em que ela se realizou e até quanto à estação do ano. Só no século IV da nossa era é que foi estabelecido o dia 25 de Dezembro como dia de Natal. Este dia era, no calendário romano, o solstício de Inverno, que significa o dia em que há o menor período de luz solar durante o dia (esse período começa então a crescer). Os Romanos tinham uma festividade ligada a esse solstício, em honra de Saturno, uma divindade agrícola, que começava a 17 de Dezembro e ia até 25 de Dezembro. Realizava-se um banquete público e havia troca de presentes, tal como hoje há nas festividades natalícias. Havia dias feriados sendo dadas escravos algumas regalias, como a de não trabalharem. A festa significava o final do ano agrícola, sendo expressas as boas expectativas quanto ao ano que estava a começar. Foi o físico inglês Isaac Newton (um anglicano que, curiosamente, nasceu a 25 de Dezembro, no calendário juliano que então se usava em Inglaterra), que, no século XVII, sugeriu a associação entre a data escolhida para o nascimento de Cristo e o solstício. No tempo cristão há todo um simbolismo de início de luz associado ao nascimento de Cristo, a «luz do mundo», e esse simbolismo tem claramente origem na festa pagã. A Igreja soube «colar» muito bem as tradições que criou com aquelas que a precederam.

Os Romanos não sabiam tanto de astronomia como nós. Hoje sabemos que a data do solstício, sendo variável, calha a 20 ou 21 de Dezembro, diferindo o nosso calendário, o gregoriano (que se iniciou em 1682, com uma bula do papa Gregório XIII), do antigo calendário juliano por onze dias. Hoje sabemos também que a órbita da Terra em torno do Sol é ligeiramente elíptica, ocorrendo o periélio (o ponto de aproximação máxima) a 2 de Janeiro, perto do solstício e, ainda mais, do começo convencional do ano civil. A sucessão das estações do ano (sendo o Inverno a mais fria no hemisfério Norte) tem a ver não com a maior ou menor aproximação do nosso planeta ao Sol, mas sim com a inclinação do eixo de rotação da Terra relativamente ao plano da órbita.

Como Herodes morreu no ano 4 a.C., o nascimento de Jesus teria de ser anterior a esse ano, partindo do princípio de que Herodes orientou os reis magos para Belém, seguindo numa profecia do Antigo Testamento sobre o nascimento do «rei dos Judeus». Foi só no século VI da era cristã que um monge da Igreja, Dionísio, o Exíguo, nascido na Círia Menor, numa região da actual Roménia, mas estabelecido na Cúria Romana em 500, fixou o ano do Senhor no ano 1. Como não existe ano zero, o primeiro século começou no ano 1 e, para perfazer cem anos, tem de incluir o ano 100 (nesta lógica, o século XX não acabou a 31 de Dezembro de 1999, mas sim a 31 de Dezembro de 2000). Díonísio foi o primeiro a abandonara o calendário associado a imperadores romanos ou à fundação de Roma. A sua proposta demorou a estabelecer-se. Em Portugal demorou até 1422, no reinado de D. João I… Os cálculos dionisianos não podiam estar certos, até pelo grande desconhecimento historiográfico que havia na época sobre Cristo.

Hoje temos várias maneiras de datar o nascimento de Cristo: ou olhamos para os Evangelhos canónicos e outros documentos que refiram a infância de Jesus e analisamos as figuras ou eventos históricos associados, ou olhamos para os relatos da sua vida pública nos mesmos Evangelhos ou noutros documentos (note-se que os Evangelhos são muito posteriores à vida de Jesus) e recuar três décadas.

Um terceiro meio de datação, embora tenha um fundo científico, está repleto de incerteza: Como o Evangelho de Mateus fala da estrela de Natal, podemos, supondo a existência de um evento astronómico real, deduzir quando Jesus nasceu pela astronomia. Mas é tarefa muito difícil, pois não se sabe o que teria sido essa estrela. Terá sido uma conjugação dos dois maiores planetas, Júpiter e Saturno, um fenómeno que é relativamente banal? Ou terá sido o aparecimento de um cometa, tal como Giotto representou num fresco de uma capela em Pádua? Ou terá antes sido uma supernova, tal como aquela que o astrónomo alemão Johannes Kepler descobriu em 1604. Ele pensava ter visto uma estrala a nascer (uma «nova estrela»), mas sabemos hoje que era uma estrela a morrer. Não existe informação suficiente, divergindo a opinião dos astrónomos e dos historiadores da astronomia.

Certo é que o Natal não «é sempre que um homem quiser», mas, porque o homem assim o quis, no dia 25 de Dezembro de todos os anos. Bom Natal!


Fonte: Carlos Fiolhais in De Rerum Natura

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