Terminou mais uma época futebolística que poucas ou nenhuma saudades deixa aos adeptos sportinguistas. Não deixa porém de ser uma época para lembrar, pois foi o natural corolário de uma era de gestão errática, desportiva e financeiramente, e cujas consequências perdurarão no tempo. Dois factos relevantes aconteceram: o Sporting obteve a pior classificação da sua longa História, e mudou de presidente durante o penoso campeonato. O novo presidente, Bruno de Carvalho, entrou a todo o gás; sentou-se no banco e sentou-se com os bancos. A sua estrelinha não permitiu ao Sporting atingir os objectivos mínimos, mas é unânime que poucas culpas lhe poderão ter atribuídas. Por isso mesmo, o capital de confiança com que iniciou o mandato manteve-se intacto. Mas pode dar por terminado o período de lua-de-mel, a partir de hoje tudo muda. Não é verdade que apenas um semi-deus possa levar a cabo a tarefa de reerguer o Sporting, mas os desafios que Bruno de Carvalho tem pela frente fazem lembrar um pouco os trabalhos, considerados impossíveis de levar a bom termo, impostos ao filho de Zeus. Assim sendo, e sem seguir qualquer ordem:
1. Treinador: mais do que seleccionar um perfil adequado ao projecto ou de acordo com os pergaminhos do clube (cliché, cliché), é preciso dar ao treinador condições de trabalho. O treinador vai ser bombardeado ao mínimo deslize. José Mourinho, salve-se a comparação, é a prova de que por mais dura que seja a couraça, os ataques acabam por surtir efeito. Cabe ao Presidente proteger o treinador, nunca o deixar só, e mostrar solidariedade e confiança no seu trabalho. Veremos se tem a coragem e a habilidade para o fazer, mesmo que para isso tenha de enfrentar facções de adeptos que, invariavelmente, pedem a cabeça do mister numa bandeja.
2. Renovar com os jovens: trabalho quase impossível. Músculo negocial há pouco, os empresários sabem-no, os potenciais interessado idem. E certamente que alguns sectores não recusarão um encaixe, por mais pequeno que seja. Renovar com esta fornada de jogadores (Bruma, Ilori, Dier, Mané, Tobias, Chaby, João Mário), blindá-los da cobiça alheia, dar-lhes condições financeiras favoráveis e envolvê-los num projecto desportivo aliciante que os jogadores vejam como uma oportunidade de carreira é o desafio.
3. Salários altos: o Sporting tem que reduzir a sua massa salarial, é um ponto assente. Assim sendo, o clube deve vender os atletas cujos salários sejam mais elevados e que ao mesmo tempo tenham um potencial de valorização mais reduzido (Schaars, Capel, Jeffren e Boularouz à cabeça). Alguns desses jogadores que saiam até podem ter um rendimento desportivo interessante, mas não serão mais-valias que façam o Sporting passar de imediato para um patamar superior, além de que tapam outros jogadores, mais jovens, que evidentemente, têm de ter minutos (Martins, João Mário, Carrillo, Viola, Labyad). O problema é colocar jogadores que se desvalorizaram nos últimos tempos, e garantir retorno financeiro que permita proteger os outros e investir qualquer coisa...
4. Emprestados: é preciso limpar os Estábulos, e há muito que limpar. Dos jogadores emprestados hoje, quantos fazem parte do futuro do Sporting? Zero. O clube não pode pagar, parcial ou totalmente, salários a homens que nunca vestirão de verde, nem pode perder tempo a colocar jogadores todos os inícios de época. E neste momento nenhum dos emprestados tem qualidade para ser uma mais-valia em Alvalade.
5. Venda Mediática: mais uma façanha impossível. O Sporting tem forçosamente de vender um jogador a um grande clube europeu. O nome de Rui Patrício é associado a alguns emblemas de nomeada, e a serem verdade os boatos, o Sporting não deve hesitar. Vender um jogador a um Grande Europeu é um bom cartão de visita, em negociações com empresários e atletas, que passarão a ver no clube uma plataforma de valorização profissional. Mesmo os jovens da Academia pensarão duas vezes antes de saltarem de alegria quando o Everton lhes fizer uma proposta. BdC tem de meter o Sporting na carruagem dos grandes negócios.
6. Gestão de expectativas: o Sporting não vai lutar de igual para igual com Porto e Benfica, e as razões são por demais evidentes. Por isso, o Presidente tem a difícil tarefa de convencer os adeptos de que o clube não é candidato ao título, mas ao mesmo tempo tem de estabelecer um objectivo claro e com um grau de exigência minimamente alto, embora acessível. Por isso, considerando que mesmo com as restrições financeiras o clube está muito acima dos restantes adversários, colocar o apuramento para a Liga dos Campeões parece ser uma fasquia credível. Alcançar o terceiro lugar é imperativo, e montar uma equipa suficientemente competitiva para o conseguir é essencial.
7. Preparação Física: calcanhar de Aquiles de há muitos anos, é penoso ver jogadores a arrastarem-se em campo, sem conseguirem correr tanto como os oponentes. O físico, hoje, vale tanto ou mais que a técnica e a táctica; e correr mais depressa é meio caminho andado para vencer. Fala-se em metodologias, em grupos de trabalho transversais mas o que é indispensável é proporcionar aos atletas profissionais uma preparação física que lhes permita tirar máximo rendimento do treino.
8. Blindagem do balneário: as fugas de informação e a plantação de notícias nos jornais são o dia-a-dia do Sporting. Cabe ao Presidente isolar o balneário de pressões externas, calar os bufos, papagaios e outra fauna que se passeia entre o Alvalade e Alcochete, ao mesmo tempo que protege os jogadores, em especial os mais jovens, das intrigas. Muita da dificuldade passa por parte deste problema ter origem interna, o que o torna ainda mais complicado de o erradicar.
9. Salários por objectivos: fala-se numa mudança de paradigma na política salarial. Acaba-se o rendimento garantido, aparecem os objectivos É complicado para os adeptos verem jogadores receberem prémios, mesmo quando os resultados são medíocres, para não falar nos salários de nababo que alguns recebem, mesmo sem jogar grande coisa (o mesmo se aplica a outros funcionários). Por isso, a ideia de se aplicar uma massa salarial proporcional ao sucesso desportivo é bem vinda, mas é bem que difícil de implementar, embora fique bonita no papel. Corta com muitos vícios existentes, e pode afastar potenciais reforços.
10. Disciplina: saídas à noite, excessos de peso, conduta imprópria nos treinos, twitadas, declarações bombásticas, vale tudo no Sporting. O Presidente deve criar um regulamento disciplinar (aplicável a jogadores, mas também a restantes funcionários) exemplar, e criar as condições para que este seja aplicado sem contemplações. Como tal, Direcção e equipa técnica devem ser reconhecidas como uma autoridade dentro do clube, e gerir um ambiente de disciplina e exigência, dentro e fora de campo.
11. Organigrama: aparentemente o Futebol do Sporting terá três cabeças, um triunvirato com cunho presidencialista. Olhando para o passado recente, é essencial que todos estejam em sintonia, e que a cada indivíduo saiba o que fazer, e o que, e quando, dizer. Bruno de Carvalho terá de desempenhar o papel de maestro numa orquestra em que, nos últimos anos, cada qual tocava a própria música, e atropelava a melodia do vizinho.
12. Posição na Liga/FPF: a mais terrível de todas as façanhas, quiçá mais improvável que colocar o défice a zero. O Sporting tem de momento uma influência nula nos corredores do Poder, e se quiser vencer, essa situação terá forçosamente de ser invertida. Bruno de Carvalho não precisa de seleccionar árbitros a la carte, ou telefonar a combinar castigos, mas o clube deve ter uma postura junto dos órgãos federativos e da Liga digna de um grande clube.
Fonte: Visão de Mercado
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