Havia saldos nas urnas, nas eleições de 2011, e eu não percebi. Vote num e leve dois. Dois governos pelo preço de um
Passos Coelho realizou o sonho de Sá Carneiro acrescido de um inesperado brinde: a direita tem uma maioria, um Governo, um Presidente e um líder da oposição. Esta proeza política só é possível graças a uma espécie de enfermidade ideológica. O Governo, como Fernando Pessoa, é histero-neurasténico. O resultado é a heteronímia política a que assistimos esta semana. Há o Governo das sextas-feiras, que é comportado e temente à troika, e que se propõe aprofundar a austeridade; e há o Governo dos domingos, que é insurrecto, despreza a troika e traça limites que a austeridade não pode ultrapassar. Havia saldos nas urnas, nas eleições de 2011, e eu não percebi. Vote num e leve dois. Dois governos pelo preço de um. Por mim, acho óptimo. Quantos mais governos elegermos, mais hipóteses temos de acertar num que seja bom. Dois ainda é pouco, claramente.
Agora estou curioso para saber o que o Governo das sextas-feiras irá dizer da posição tomada pelo Governo dos domingos. É um diálogo do Governo consigo mesmo que traz uma boa notícia e uma má notícia - e ainda uma excelente notícia: a boa é que, como pediu Cavaco, existe cada vez mais consenso entre parte do Governo e a oposição; a má é que existe cada vez menos consenso entre parte do Governo e a outra parte do Governo: a excelente é que a falta de consenso não põe em causa a colaboração com o Governo. Paulo Portas não concorda com quase nada do que o Governo faz, mas isso não o impede de comparecer no Conselho de Ministros. O consenso tem sido muito sobrevalorizado. O País não precisa dele para nada.
Infelizmente, não votei em nenhum destes governos conflituantes, mas aprecio o esforço de Paulo Portas, que parece ser o único interessado em combater o desemprego. É certo que o desemprego que ele se empenha em combater é o seu, mas tem de se começar por algum lado. A posição de Paulo Portas é suficientemente ambígua para que esteja apto a coligar-se com o PSD ou o PS. Em caso de queda do Governo, não ficará desempregado. É a vantagem da democracia-cristã. Mistura o principal ensinamento do cristianismo ("ama o próximo como a ti mesmo") com as contingências da alternância democrática. O resultado é: ama o próximo Governo como a ti mesmo. O CDS está sempre disponível para amar o próximo Governo.
Fonte: Ricardo Araújo Pereira in Visão
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