Levar a cabo políticas que aumentam o desemprego e a pobreza é coragem. Cantar é um exagero. Um estudo da mariquice política deve começar por analisar o modo como o canto coral passou a ser considerado um exagero.
Tendo nascido no dia 28 de Abril de 1974, não vivi um único minuto sob um regime político autoritário. Tirando aqueles anos do Cavaco. E aqueles do Sócrates. E agora estes. Mas nunca vivi sob autoritarismo a sério. Aquele que prende, tortura e mata. Nunca vivi num daqueles regimes em que é preciso ser um herói para fazer o que eu faço - e nos quais, por isso mesmo, eu me dedicaria, evidentemente, a outra actividade. Também não me lembro dos tempos do PREC, mas ouço dizer que houve exageros. Que surpresa. Ao fim de 50 anos de ditadura, a liberdade chega e há exageros durante uns meses. Vá lá uma pessoa perceber isto. O problema do exagero, em política, é que só é apreciado quando quem o comete veste fato e gravata. Nesse caso, não se chama exagero: é coragem política. Só os barbudos mal vestidos é que exageram.
Há um livro do Lewis Carroll, chamado Sylvie e Bruno, que começa com uma multidão confusa a exigir, aos gritos: "Menos pão! Mais impostos!" Como se trata de uma turba, na rua, tem graça. Mas Vítor Gaspar faz o mesmo e é muito menos engraçado. Eis como a mesma piada, dita por pessoas diferentes, pode ter resultados distintos. Em reacção à política do Governo, um grupo de pessoas foi cantar para junto de altos dignitários. Como é evidente, exageraram. Levar a cabo políticas que aumentam o desemprego e a pobreza é coragem. Cantar é um exagero. Reparem que ninguém queimou pneus, nem partiu montras, nem pilhou lojas. O exagero foi cantar. Entoou-se uma melodia exageradamente. Um estudo da mariquice política deve começar por analisar o modo como o canto coral passou a ser considerado um exagero.
Além disso, há um movimento chamado Que se Lixe a Troika. Outro exagero. Que se lixe a troika? Ui, que expressão tão feia. E depois? Como pagamos salários e mantemos serviços públicos, se é com o dinheiro que a troika caridosamente nos oferece que conseguimos fazê-lo? São objecções que se inserem igualmente no âmbito da mariquice política. Os críticos da divisa Que se Lixe a Troika preferiam uma palavra de ordem mais sensata e educada. É possível que tolerassem melhor o hipotético e muito mais cordato movimento "Que olhemos de um modo moderadamente crítico para a troika, sobretudo no sentido em que talvez os prazos estipulados sejam demasiado curtos e as metas impostas relativamente irrealistas, agravando assim a crise, mas realçando ao mesmo tempo os benefícios que nos traz o empréstimo, por muito que eles sejam atenuados pelo que ficou dito atrás." Talvez esta formulação fosse menos exagerada, mas mesmo assim não garanto. Isto é gente que diz "apre!" quando martela o dedo.
Tendo nascido no dia 28 de Abril de 1974, não vivi um único minuto sob um regime político autoritário. Tirando aqueles anos do Cavaco. E aqueles do Sócrates. E agora estes. Mas nunca vivi sob autoritarismo a sério. Aquele que prende, tortura e mata. Nunca vivi num daqueles regimes em que é preciso ser um herói para fazer o que eu faço - e nos quais, por isso mesmo, eu me dedicaria, evidentemente, a outra actividade. Também não me lembro dos tempos do PREC, mas ouço dizer que houve exageros. Que surpresa. Ao fim de 50 anos de ditadura, a liberdade chega e há exageros durante uns meses. Vá lá uma pessoa perceber isto. O problema do exagero, em política, é que só é apreciado quando quem o comete veste fato e gravata. Nesse caso, não se chama exagero: é coragem política. Só os barbudos mal vestidos é que exageram.
Há um livro do Lewis Carroll, chamado Sylvie e Bruno, que começa com uma multidão confusa a exigir, aos gritos: "Menos pão! Mais impostos!" Como se trata de uma turba, na rua, tem graça. Mas Vítor Gaspar faz o mesmo e é muito menos engraçado. Eis como a mesma piada, dita por pessoas diferentes, pode ter resultados distintos. Em reacção à política do Governo, um grupo de pessoas foi cantar para junto de altos dignitários. Como é evidente, exageraram. Levar a cabo políticas que aumentam o desemprego e a pobreza é coragem. Cantar é um exagero. Reparem que ninguém queimou pneus, nem partiu montras, nem pilhou lojas. O exagero foi cantar. Entoou-se uma melodia exageradamente. Um estudo da mariquice política deve começar por analisar o modo como o canto coral passou a ser considerado um exagero.
Além disso, há um movimento chamado Que se Lixe a Troika. Outro exagero. Que se lixe a troika? Ui, que expressão tão feia. E depois? Como pagamos salários e mantemos serviços públicos, se é com o dinheiro que a troika caridosamente nos oferece que conseguimos fazê-lo? São objecções que se inserem igualmente no âmbito da mariquice política. Os críticos da divisa Que se Lixe a Troika preferiam uma palavra de ordem mais sensata e educada. É possível que tolerassem melhor o hipotético e muito mais cordato movimento "Que olhemos de um modo moderadamente crítico para a troika, sobretudo no sentido em que talvez os prazos estipulados sejam demasiado curtos e as metas impostas relativamente irrealistas, agravando assim a crise, mas realçando ao mesmo tempo os benefícios que nos traz o empréstimo, por muito que eles sejam atenuados pelo que ficou dito atrás." Talvez esta formulação fosse menos exagerada, mas mesmo assim não garanto. Isto é gente que diz "apre!" quando martela o dedo.
Fonte: Ricardo Araújo Pereira in Visão
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