Nas sociedades democráticas e pluralistas, os média constituem-se como o “ambiente” em que a luta e a acção política se exercem. Cabe-lhes o poder de decidir quem tem voz no espaço público mediático e quem não tem. Esse é um dos seus maiores poderes, juntamente com o de selecção e edição, que cabe aos jornalistas, isto é, o poder de decidir o que deve ser visto, lido e ouvido, quando e como o deve ser. (Não falo agora do “outro” espaço semi-público, o espaço virtual criado com a internet, principalmente os desenvolvimentos proporcionados pela web 2.0. , nomeadamente as redes sociais.)
Cingindo-me, aos media tradicionais, eis os desafios que um líder político enfrenta, principalmente em Portugal, onde existem, a nível do sistema mediático, algumas particularidades, como sejam, três canais informativos emitindo 24 horas diárias de informação, para além de canais generalistas de cobertura nacional com os telejornais mais longos da Europa (a RTP aproxima-se agora dos modelos europeus).
Um líder político, seja o chefe do governo ou o “principal” da oposição (deixo por comodidade, os “secundários”), enfrenta permanentemente, entre nós, “fogo cerrado” vindo dos media – na rádio, nos jornais e nas televisões.
De manhã, o líder (do governo ou da oposição) acorda e depara-se logo com dezenas de espaços de opinião onde as mais diversas pessoas comentam, criticam, ridicularizam, raramente elogiando, alguma declaração, entrevista, decisão ou manifestação verbal ou escrita do líder. Se o líder responde ou manda alguém fazê-lo por ele, logo nos espaços mediáticos seguintes das rádios, televisões e respectivas edições on-line incluindo dos jornais, uma chusma de “opinadores” salta a comentar as explicações já não apenas do líder mas de quem falou pelo líder.
De manhã e à tarde há os fóruns das rádios e das televisões. O “povo” entra pelas antenas e os “especialistas” vão aos estúdios responder às massas. Falem do que falarem o alvo é sempre o líder.
À noite os canais do cabo chegam em força com os seus espaços de debate e comentário. São, pelo menos, quatro horas em cada um dos três canais informativos – 12 horas diárias só à noite, em que políticos a favor e contra os líderes “principais” debatem e comentam o que disseram os “principais” ou alguém por eles. É assim durante toda a semana, incluindo aos sábados e aos domingos onde os canais informativos do cabo não lhes dão descanso.
Mas não fica por aqui o “cerco” aos líderes: nos intervalos dos espaços informativos, como se de publicidade se tratasse, as rádios e as televisões passam pequenas peças com excertos do que de mais ridículo, absurdo, ou patético, os “principais” disseram ou fizeram: frases, olhares, gestos, etc., tudo serve para “retratar” o líder. Alguma afirmação mais “marcante” passará mil vezes durante semanas ou meses, mesmo que tenha sido desmentida, não importando se foi descontextualizada porque o spot está gravado, o alinhamento feito e não há que tirá-lo.
E assim os que comentam e debatem sem tempo nem staffs que ouçam por eles tudo o que se diz, comentam e discutem o que ouviram a outros que, por sua vez, ouviram na rádio e na televisão o que outros disseram, não importa quando nem com que fundamento e com que rigor.
Podia ser de outra maneira? Não podia. Porque a voracidade dos media não pára e é insaciável. Como se alimentariam tantas horas de debate? Onde encontrar quem estude, analise, comente e explique a realidade e não o seu simulacro?
Como é que um líder, resiste a isto? Não resiste. Pode ganhar eleições, governar algum tempo com algum “descanso”, que será sempre de curta duração. Pode continuar a liderar o governo ou a oposição mas o destino está traçado: os políticos não prestam porque mesmo que prestem os media precisam sempre de alguém, de muitos “alguéns”, que diga que eles não prestam. E temos, assim, que não chegamos a saber quais os que verdadeiramente prestam e quais os que não prestam!
Fonte: Vai e Vem
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