A noite começou por volta das 20h00. Antes dos Muse subirem ao palco do Estádio de Dragão, os We Are Ocean apresentaram um repertório de hardcore/punk com poucas probabilidades de conquistar o mundo. Apesar disso, foram aquecendo o ambiente para a atracção principal. No intervalo, ao som de Alt-J, M.I.A. ou LCD Soundsystem, afinaram-se gargantas, entoaram-se cânticos de apoios, ensaiaram-se estratégias de apoio e testou-se a famosa onda. Tudo para aquecer os motores, tudo o que fosse possível para animar uma hora de intervalo, reduzindo a espera e enganando a "fome".
De repente apagam-se as luzes. Ouvem-se gritos de entusiasmo. Acaba-se a espera. Ouve-se os primeiros acordes de "Supremecy" e a cada riff soltam-se enormes chamas das chaminés de um cenário dantesco que parece agora uma enorme fábrica retirada de um desenho-animado ou um videojogo.
Os Muse de 2013 são praticamente irreconhecíveis se tivermos em conta os Muse de Showbiz (1999) ou Origin of Symmetry (2001). Depois de canções para filmes do 007, de operações estéticas e plásticas, de prémios de pior banda do mundo, já pouco ou nada resta do início dos Muse. E assim nasceu uma banda de estádio para o século XXI. Pode até parecer umas ascensão meteórica, mas a verdade é que a banda de Matthew Bellamy, Christopher Wolstenholme e Dominic Howard celebram vinte anos de existência em 2014.
Se "Supermassive Black Hole" mostrou o lado mais electrónico dos Muse, "Panic station" trouxe a palco um certo funk. Nos ecrãs gigantes há um Obama a dançar; depois Cristiano Ronaldo a dar toques na bola, depois Angela Merkel, Putin e Hollande e até um sapo de fato e gravata a tocar saxofone. "Nonsense" ao serviço da crítica política e social, portanto.
"Bliss", retirada de Origin of Symmetry , serviu para Bellamy para fazer a revisão às oitavas. Com "Animals" continua a crítica social: nos ecrãs surgem homens engravatados e com ar ganancioso; os valores da Nasdaq correm as telas a verde e vermelho. Do nada, entra em palco um ator engravatado que distribui dinheiro pelo público e depois cai no chão morto após disparos massivos de notas falsas.
Num momento verdadeiramente cinematográfico, cronometrado ao segundo, não faltou sequer um solo de harmónica, espécie de lamento fúnebre, espécie de alfinetada política. É tempo de "Knights Of Cydonia", onde se pode ouvir: "No one's gonna take me alive / Time has come to make things right / You and I must fight for our rights / You and I must fight to survive .
E de repente algo realmente surpreendente. Christopher Wolstenholme e Dominic Howard, baixo e bateria apenas, lançam-se a uma curta versão de "Dracula Mountain" dos noise-rockers Lightining Bolt. O tempo suficiente para Matthew Bellamy surgir no mini palco que vinha quase até ao meio do estádio (ligado por um longo corredor até ao palco principal) para, sentado ao piano, dar início a outra canção.
Christopher Wolstenholme pega numa bandeira de Portugal oferecida pelo público, Matthew Bellamy segura um cachecol do Futebol Clube do Porto (e assim ficou logo ali arrumado o assunto). Depois de "Hysteria", a habitual versão de "Feeling Good" foi recebida com entusiasmo e vozes em uníssono. Em palco há uma mulher a trabalhar no escritório (secretária e computador e tudo), vestida a rigor. Dentro de nada corre palco fora até à língua de palco (vamos chamar-lhe assim), falando furiosamente ao telefone, até agarrar a mangueira de um posto improvisado e beber gasolina e ficar num estado quase comatoso. Mais uma metáfora para os tempos em que vivemos?
A partir de ali foi uma sucessão de êxitos: "Follow Me", "Madness", "Time Is Running Out" (com intro de "House of the Rising Sun", dos Animals). Antes de saírem pela primeira vez do palco, a roleta russa ditou as suas ordens (não, literalmente): "New Born", quase irreconhecível, foi recebida com enorme berreiro, fechando a primeira parte do concerto.
Nos encores continuou a sucessão de grandes êxitos (ali não convém fazer grandes cedências): no mini-palco no centro do estádio, a interpretação de "Unintended" arrancou todas as lanternas de telemóveis dos bolsos e proporcionou um momento de comunhão quase religiosa. Depois de mais um momento bandeira de Portugal, um robô de cinco metros de altura entra em palco (verdade, verdadinha) ao som de "The 2nd Law: Unsustainable", a canção em que os Muse tentam o algo inexplicável flirt com o dubstep.
Quando os Muse voltaram ao seu métier de sempre, surgiu "Plug In Baby" para óbvio e expectável delírio colectivo. Não tivesse sido essa a canção responsável por mostrar os Muse a meio mundo no tão longínquo ano de 2001.
No segundo encore, depois de um tema instrumental proporcionado por um teclista que esteve sempre longe das luzes (mas que pareceu importante para o som que os Muse trouxeram a palco), surgiu "Uprising". Distanciados em palco, Matthew Bellamy, Christopher Wolstenholme e Dominic Howard, apareceram vestidos de camisolas vermelhas e projectados nas telas como se cada um deles fosse um batalhão de si próprio.
Depois daquele solo que todos conhecem da rádio, Matthew Bellamy mandou a guitarra ao ar três vezes antes de as luzes se apagarem. Não pela última vez. Ainda houve "Starlight" a fechar um exército de "hit singles" e um concerto onde se deu tudo aquilo que era esperado. Um alinhamento desenhado a régua e esquadro, uma invasão de luzes e fogo e todo o entretenimento que se pede a um concerto de estádio. É como dizem os americanos: "there's no business like show business".
Fonte: Blitz
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