quarta-feira, 14 de agosto de 2013

O elogio do doping



Convencionou-se que o doping é uma coisa má, anti-desportiva, uma manipulação da verdade. Enquanto ato ilegal é com certeza um engano, logo uma mentira, disso não há dúvida. Contudo, enquanto processo técnico podemos encará-lo no âmbito do desporto. Neste sentido, poderá ganhar alguma verdade, digamos assim.

Olhemos o exemplo do desporto automóvel e depois comparemo-lo com o ciclismo. Nas corridas de fórmula 1, por exemplo, não é somente a perícia do condutor que está em causa em termos competitivos. É também a marca do motor, os mecânicos e a equipa que muda os pneus. Há todo um conjunto de fatores externos ao piloto que, em articulação com ele, também fazem a performance da condução. Quanto mais apetrechos técnicos um desporto tiver, mais fatores deste género são importantes ao que está em jogo. Esta lógica pode ser levada ainda mais longe. A vida familiar do condutor, as suas relações emocionais, o seu contexto social ou aquilo que ele come também ajudam a determinar as suas qualidades enquanto compete nas pistas de automóveis. Pegando em particular no caso da alimentação, repare-se como esta, ainda que já no interior do corpo, também resulta de escolhas exógenas ao ato de treino estritamente corporal. E é aqui que entra o doping.

Se virmos o doping como uma técnica externa que, tal como a alimentação, se introduz no corpo para uma melhor performance, percebemos que nele também há conhecimento e capacidade que intervêm competitivamente. Se acrescentarmos a habilidade que há em escondê-lo, vemos como também isso pode ser uma arte.

O ciclismo é particularmente "fustigado" por esta prática. Mas imaginemos que se legaliza o doping (aí o ludibriar deixa de ser fator competitivo) e os médicos que acompanham os ciclistas passam a ser considerados participantes do mesmo tipo que os mecânicos de fórmula 1 ou mesmo os de bicicletas. Podemos facilmente ver no corpo do corredor o motor da bicicleta. É decerto isso também. E então os químicos introduzidos nos organismos dos desportistas são como os diferentes tipos de melhoramentos que se fazem nos motores artificiais. O ciclista não deixa de estar lá, fazendo escolhas, treinando, tentando ser melhor do que os outros, igualmente dopados. Tal como o piloto de fórmula 1.

A diferença está na assunção do processo técnico em toda a sua extensão. Já não seria apenas a perícia do desportista que estaria a competir, mas também a qualidade dos químicos ingeridos e dos médicos que os prescrevem. E aí poderiam devolver-se as medalhas a Lance Armstrong. A técnica é isto, inúmeros efeitos sem fixação no indivíduo que atua. Sem a autonomia deste, tudo é possível.

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