Numa euforia consumista mais moderada. Mas os centros comerciais continuaram e continuam cheios e frenéticos como ovos, sobretudo nos últimos dias. Andaram a queimar os últimos cartuchos antes da execução do orçamento de 2013. Ao longo dos últimos 20-30 anos, os portugueses alimentaram a ilusão de poder consumir à tripa forra como se fossem ricos. Muitos fizeram-no, porque os vizinhos também o faziam, à custa de subsídios e empréstimos, truques e manias, chico-espertices de que a malta é perita. E enfrascaram-se numa percepção de bem-estar que se materializa em coisas e hábitos que se tornaram indispensáveis. O modelo de consumo, o estilo de vida dos centros comerciais, dos bens de luxo (ou a parecer de luxo) e dos automóveis reluzentes inscreveu-se nos genes de muitos portugueses. Quando o rendimento cresceu as pessoas ajustaram depressa de mais os seus hábitos de consumo e queimaram uma margem saudável de poupança porque o futuro era “já” e a prosperidade só podia continuar.
Quando a crise eclodiu (por culpa dos outros, essa entidade esquisita que dá jeito nos momentos de incompreensão ou de reclamação de inocência), quando os impostos subiram, os empregos se esfumaram, os subsídios baixaram e o crédito se fez mais raro, foi uma chatice. Porque custa perder uma certa sensação de conforto e de sucesso. É penoso cortar naquelas redundantes rotinas que se tinham tornado imprescindíveis, os carros substituídos mais raramente, os electrodomésticos que vão à reparação para obter vidas ulteriores, a casa própria substituída pela arrendada, os miúdos que passam para a escola pública, as auto-estradas substituídas por estradas secundárias cada vez mais apinhadas, etc, etc. Porque é preciso resistir, sobreviver, nalguns casos, salvar as aparências. Também há muitos casais jovens a viver de pensões de reforma e a pedir heranças antecipadas e os velhotes que julgavam já ter visto tudo e ainda a missa vai no adro até serem acolhidos na graça do Senhor. E há uns tipos a tresandar a perfume caro, com sapato bicudo, gelatina no cabelo e blusão de cabedal de marca “comme il faut” a passear arrogância e desprezo pelos pobres e falhados.
O País está mal, vai para pior antes de eventualmente melhorar. Estamos no terceiro pacote do FMI depois de 1974. Gastámos rios de dinheiro de fundos estruturais e de crédito externo ao preço da chuva. Não vou mais para trás, mas foram raros os períodos da sua história em que Portugal viveu do que produziu. Talvez o Salazarismo tenha tido esse realismo económico, mas o corolário foi a pobreza e a falta de liberdade, como se “portugueses por sua conta” fosse igual a “pobreza”. Conclusão temerária e triste. A culpa é destes meliantes que nos governaram e governam. Claro, a culpa é sempre desses inúteis que quiseram acelerar irresponsavelmente e incompetentemente a nossa chegada a um patamar superior de abastança. Os portugueses, os outros que se limitaram a votar e que não governam mais nada do que a sua casinha, são vítimas incrédulas e indefesas...
Agora esperemos por um novo Natal cheio de prendas da generosidade externa… Porque a alternativa será durante algumas gerações passar Natais "low cost" para pagar o património de interesse duvidoso que se construiu depressa de mais, como auto-estradas vazias e rotundas caleidoscópicas. É claro que sobra sempre a hipótese de ir à procura do leite e do mel lá fora. De resto, era essa também uma importante válvula de escape do Salazarismo.
Fonte: Fantástico, Melga!
Sem comentários:
Enviar um comentário