Namoraram dois anos, casaram e compraram um pequeno apartamento T1, contraindo um empréstimo ao banco.
O dinheiro para mobilar a casa foi-lhes parcialmente emprestado pelos pais dele.
Logo a seguir ao casamento compraram um carro, um Renault de gama média, pago a prestações.
Ao fazerem um ano de casados, decidiram comemorar a data com um cruzeiro no Mediterrâneo, através do sistema ‘viaje agora e pague depois’.
No ano seguinte tiveram um filho, a que chamaram João Maria, e aos três meses meteram-no numa creche, pois a mãe tinha de voltar ao emprego.
Para ir levar e buscar o bebé à creche, a Margarida precisou naturalmente de ter carro; iniciou então lições de condução, e logo que conseguiu a carta comprou um pequeno Opel, que ficou a pagar também a prestações.
Quando o filho fez dois anos, os pais acharam que não era saudável continuar a dormir no quarto deles, e procuraram um apartamento maior.
Encontraram um T3 em Carnaxide por um preço razoável, numa urbanização nova.
Puseram a casa onde viviam à venda, e com o dinheiro recebido liquidaram o empréstimo antigo e ainda ganharam uns milhares de euros; fizeram, então, um novo empréstimo para pagar a nova casa, ficando com encargos bastante mais altos do que anteriormente. Mas a casa era boa e valia a diferença.
Ao fim de sete anos de casados, viram na secção de vendas de um jornal o anúncio de uma pequena vivenda no Meco: era uma excelente oportunidade, que lhes resolveria o problema das férias. E não a desperdiçaram.
Como a estrada de acesso à casa era má, com o piso cheio de buracos e pedras soltas, decidiram juntar o útil ao agradável e trocaram o velho Renault por um jipe.
O João Maria, entretanto, estava a atingir a idade de entrar para a escola, e eles puseram-se à procura de um colégio privado, pois ouviam cobras e lagartos sobre o que se passava nas escolas públicas e não podiam arriscar pôr lá o filho.
O Paulo começou a ter dificuldades para pagar todos os encargos mensais – e um dia tomou a iniciativa de fazer uma conta-ordenado; mas depressa verificou tratar-se de um enorme erro: no primeiro mês foi bom, porque recebeu o ordenado antecipado, mas a partir daí começou a recebê-lo como dantes, de mês a mês, com a diferença de que recebia menos, porque tinha de pagar juros pelo adiantamento.
Começou então a ter de recorrer a empréstimos bancários para ir tapando os buracos que iam aparecendo; só que tapava uns e abria outros.
Mesmo assim conseguiu arrastar a situação por alguns anos; um dia, porém, correu vários bancos e de todos recebeu a mesma resposta: «Lamentamos, mas não podemos dar-lhe mais crédito». O Paulo ainda protestou, mas não havia nada a fazer.
Meteu-se então a estudar todas as hipóteses e descobriu uns especuladores que aceitavam fazer-lhe um bom empréstimo – mas os juros que cobravam eram tão altos que ele depressa viu que não os podia suportar.
Desesperado, o Paulo reuniu um grupo de amigos, entre os quais se encontravam dois ou três mais abastados, e expôs-lhes a situação aflitiva em que se encontrava.
Depois de o ouvirem, os amigos concordaram em emprestar-lhe dinheiro a juros baixos, com uma condição: ele tinha de mudar de vida.
Tinha de passar a gastar menos.
Não fazia sentido emprestarem-lhe dinheiro para ele continuar a fazer a mesma vida que fizera até aí e que o afogara em dívidas.
O Paulo não teve outro remédio senão aceitar.
Quem não gostou foi a mulher, a quem ele impôs limites drásticos para os gastos em roupa, em calçado, em refeições fora, em extravagâncias e mesmo nalgumas despesas que ela considerava de primeira necessidade.
E o filho também não gostou nada, pois tinha de fazer sacrifícios, tinha de ir menos vezes ao cinema, não podia sair tanto com os amigos ou ir todas as semanas para a noite, nem comprar ténis de marca, nem trocar de Playstation.
Embora o Paulo lhes explicasse a situação, a mulher e o filho viraram-se contra ele.
Responsabilizaram-no por todas as restrições que estavam a sofrer.
Um dia, o Paulo convidou para jantar lá em casa um dos amigos que lhe tinham emprestado dinheiro.
A mulher esteve calada todo o jantar e o filho disse umas piadas sobre uns senhores que o faziam levar uma vida desgraçada.
O pai ficou encavacado – e à saída disse ao amigo para não ligar, pois a mulher e o filho, como não geriam o orçamento familiar, só sabiam que tinham passado a viver pior, e não aceitavam a situação.
O Paulo sente-se hoje entalado entre a espada e a parede: entre os amigos que não o deixam gastar mais e a mulher e o filho que constantemente o massacram.
A situação desta família é o retrato de Portugal.
Como a estrada de acesso à casa era má, com o piso cheio de buracos e pedras soltas, decidiram juntar o útil ao agradável e trocaram o velho Renault por um jipe.
O João Maria, entretanto, estava a atingir a idade de entrar para a escola, e eles puseram-se à procura de um colégio privado, pois ouviam cobras e lagartos sobre o que se passava nas escolas públicas e não podiam arriscar pôr lá o filho.
O Paulo começou a ter dificuldades para pagar todos os encargos mensais – e um dia tomou a iniciativa de fazer uma conta-ordenado; mas depressa verificou tratar-se de um enorme erro: no primeiro mês foi bom, porque recebeu o ordenado antecipado, mas a partir daí começou a recebê-lo como dantes, de mês a mês, com a diferença de que recebia menos, porque tinha de pagar juros pelo adiantamento.
Começou então a ter de recorrer a empréstimos bancários para ir tapando os buracos que iam aparecendo; só que tapava uns e abria outros.
Mesmo assim conseguiu arrastar a situação por alguns anos; um dia, porém, correu vários bancos e de todos recebeu a mesma resposta: «Lamentamos, mas não podemos dar-lhe mais crédito». O Paulo ainda protestou, mas não havia nada a fazer.
Meteu-se então a estudar todas as hipóteses e descobriu uns especuladores que aceitavam fazer-lhe um bom empréstimo – mas os juros que cobravam eram tão altos que ele depressa viu que não os podia suportar.
Desesperado, o Paulo reuniu um grupo de amigos, entre os quais se encontravam dois ou três mais abastados, e expôs-lhes a situação aflitiva em que se encontrava.
Depois de o ouvirem, os amigos concordaram em emprestar-lhe dinheiro a juros baixos, com uma condição: ele tinha de mudar de vida.
Tinha de passar a gastar menos.
Não fazia sentido emprestarem-lhe dinheiro para ele continuar a fazer a mesma vida que fizera até aí e que o afogara em dívidas.
O Paulo não teve outro remédio senão aceitar.
Quem não gostou foi a mulher, a quem ele impôs limites drásticos para os gastos em roupa, em calçado, em refeições fora, em extravagâncias e mesmo nalgumas despesas que ela considerava de primeira necessidade.
E o filho também não gostou nada, pois tinha de fazer sacrifícios, tinha de ir menos vezes ao cinema, não podia sair tanto com os amigos ou ir todas as semanas para a noite, nem comprar ténis de marca, nem trocar de Playstation.
Embora o Paulo lhes explicasse a situação, a mulher e o filho viraram-se contra ele.
Responsabilizaram-no por todas as restrições que estavam a sofrer.
Um dia, o Paulo convidou para jantar lá em casa um dos amigos que lhe tinham emprestado dinheiro.
A mulher esteve calada todo o jantar e o filho disse umas piadas sobre uns senhores que o faziam levar uma vida desgraçada.
O pai ficou encavacado – e à saída disse ao amigo para não ligar, pois a mulher e o filho, como não geriam o orçamento familiar, só sabiam que tinham passado a viver pior, e não aceitavam a situação.
O Paulo sente-se hoje entalado entre a espada e a parede: entre os amigos que não o deixam gastar mais e a mulher e o filho que constantemente o massacram.
A situação desta família é o retrato de Portugal.
José António Saraiva
Fonte: Sol
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