Como podem ver, este senhor era muito orgulhoso e gostava de fazer as coisas sozinho, não queria ajuda para nada.
Certo dia decidiu que ia juntar-se aos rapazes do café que faziam montanhismo. Não é escalada, é montanhismo.
“Eu vou com vocês.” – disse ele.
“Onde?” – perguntou um deles.
“Subir a montanha.” – disse com um sorriso largo.
Eles riram-se e com simpatia tentaram explicar que onde eles iam era perigoso e cansativo, não o conseguiriam acompanhar porque para chegar ao topo precisavam de uma passada certa, ritmada e há muitos perigos pelo caminho para os quais ele não está preparado, aquele trilho não é adequado para invisuais. Ao que ele respondeu: “Invisual o cara…” – vocês sabem o resto.
Decidido a não ficar para trás, partiu sozinho.
Foi ao multibanco e levantou dinheiro, sozinho. Recusou a ajuda de uma vizinha.
Chamou um táxi, sozinho. Recusou a ajuda do dono do café.
O carro parou, pagou e saiu sozinho.
“Agora é para a direita e sempre em fren…” – estava-lhe o taxista a dizer mas ele interrompeu dizendo que não lhe perguntou nada.
Não admitindo que foi ajudado, seguiu pela direita e sempre em frente.
Munido apenas com a sua camisa de manga curta, as suas calças vincadas, os seus sapatos de sola rija e a sua bengala, começou a andar. Mas foi travado.
“Oh amigo, olhe que para entrar tem de pagar.” – foi-lhe dito.
“Ah este é um parque desses, é?” – questionou ele.
“É, é…” – foi a resposta que ouviu.
Pegou nas poucas moedas que lhe sobraram, pagou e seguiu caminho.
Andou e andou, sempre com cuidado que o chão era irregular, começou a aperceber-se que encontrava rochas cada vez maiores, e agora os ramos das árvores já lhe batiam na cara, alguém lhe perguntou se queria ajuda mas ele deixou bem claro que ia fazer tudo sozinho, que não precisava de ninguém.
Nem quando o que lhe batia na cara já não eram os ramos das árvores mas sim as silvas que o arranhavam ele cedeu a pedir ajuda, ia sozinho até ao cimo. Andou e andou, arranhado e marcado pelos ramos, pelas silvas e pelas quedas que agora dava a cada passo. Ele andou e andou, sozinho.
Do nada sentiu que algo lhe tinha sido atirado à cara, uma espécie de pasta… Ouviu gritos e risos. Furioso ele gritou:
“Seus filhos de uma grandessíssima vaca, ide atirar lama ao corno que a amansou e dar pontapés na pachacha da burra que a pariu.”
Começou a chover. O vento forte e as pedras tombaram-no, que tralho que ele deu!
Ouviu um rugido, parecia o da pantera da série Manimal que ele, no final dos anos 80, gostava tanto de ver… Peço desculpa. De ouvir.
Ele não estava preocupado, não podia ser, em Portugal não há panteras, devia ter sido o vento que se levantava e ele tinha ouvido mal. Estava enganado.
O cego foi atacado. Quando foi encontrado, tinha metade das pernas comidas, a cara e as mãos cheias de sangue devido às feridas provocadas pelas quedas e pelas silvas, a camisa suja, os comprimidos para o coração espalhados perto do corpo e um talão do multibanco no bolso.
Ele ainda estava vivo.
Ele só dizia: “Consegui… consegui.”
Foi levado para o hospital, melhorou e voltou para casa. Foi para o café, vangloriar-se dos seus feitos e mostrar aos rapazes que não precisou deles para nada.
Ele contou a história dele e foi-se embora, partir para outra aventura, dizia ele.
Ninguém teve coragem de lhe contar que, ele não levantou 20€ do multibanco, levantou 200. Que o táxi não era um táxi, foi um carro que parou e o levou. Que o parque natural não era um parque natural, era o jardim zoológico, que ninguém lhe atirou lama, foram os macacos que lhe atiraram fezes e que ele não subiu uma montanha andou às voltas entre árvores, rochas e silvas até cair numa área reservada aos felinos…
Um senhor com alguma idade que é conhecido por gostar de beber resmungou com os garotos: “Vocês, burros, não dizem nada? Comigo toda a gente goza e ao ceguinho ninguém diz nada?”
Eles explicaram que não ficaram calados por terem pena dele ser cego, tiveram pena dele por ser estúpido.
E eis a moral da história, a maior incapacidade de todas é ser estúpido.
Não sejam estúpidos!
Fonte: Aristrocratas
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