Começo por dizer que Camilo Lourenço tem razão numa coisa, a economia, esta economia, não precisa de historiadores ou professores de história. Ela precisa de lucros, rendas fixas, competitividade, baixos custos laborais e de preferência de produzir meios de destruição que não tenham que passar pelas agruras do mercado. Por exemplo, uma forma rápida era transformar a auto Europa numa fábrica de tanques e os desempregados em soldados e o PIB crescia 7%, 10, 13% ao ano. Foi assim que o mundo saiu da crise de 29 para os gloriosos 30 anos de ouro na Europa. Ensinam os historiadores.
A economia não existe enquanto entidade supra-humana, espiritual, a economia é a ciência das escolhas humanas de como, quando, para quem se produz. A economia de Camilo Lourenço é a economia que determina que Portugal é o único país do mundo cuja espécie maioritária é não autóctone – o eucalipto – apesar de importarmos comida; a economia de Camilo Lourenço é a economia em que os professores têm pouca formação, nomeadamente pouca formação universitária porque as contas do ministério da educação são desviadas para negócios imobiliários e tecnológicos (Parque Escolar, quadros interactivos, Magalhães) e não para formar professores de qualidade, que nos faltam e muito.
Hoje abrimos a televisão, meio de comunicação por excelência, e não sabemos quanto desempregados jovens existem em números reais, em quê, quanto licenciados em história estão desempregados, o que estão a fazer, qual a média salarial de um licenciado em história e de um licenciado em gestão, o que a jusante produzem, quantos emigraram. Não ouvimos, naquela peça de televisão, professores de história, reitores de universidade onde há cursos de história, licenciados em história a exercer profissão ou desempregados, historiadores ou sociólogos do trabalho, estudiosos da relação entre formação da mão de obra e mercado de trabalho, mas levamos, como um soco, em horário nobre, com o silêncio dos pivôs, com afirmações como esta, de Camilo Lourenço, de que “a economia não precisa deles”.
A culpa está longe de ser deste ou daquele comentador e sim das direcções da informação – a começar pela informação pública -, onde a aparência vale tudo, a essência nada. Onde os jornalistas (quantos deles licenciados em história ou seus amantes) foram colocados na prateleira e despedidos e substituídos cirurgicamente por pivôs; onde a reportagem e a investigação deram lugar aos condensados de agências noticiosas. Hoje, um jornal tem meia dúzia de resumos com erros ortográficos de agências noticiosas, e o resto é dedicado a comentadores e artigos de opinião. Não se chegou aqui só por uma questão ideológica, de aversão ao contraditório, mas porque o comentador é muito mais barato para a economia, para esta economia, cujo fim é prestar lucro e não um serviço (neste caso de informação).
Um jornalista para fazer uma boa peça de informação precisa de investigar, indagar, procurar o contraditório, provavelmente deslocar-se aos locais, ouvir as pessoas, trabalhar em equipa. Precisa de ter dedicado muito tempo a ler história, romances, economia, sociologia, antropologia, compreender a sociedade, antes de chegar ao local. Porque se o visto e o acontecido fossem idênticos, dito de outra forma, a aparência e a essência, a ciência não era necessária.
O comentador é o tipo que fala bem, simples, desce à consciência média do cidadão médio – por norma medíocre – e o conteúdo não é escrutinado por ninguém. Ao contrário de países onde ainda vigora o comentário académico – sem dúvida com ideologia -, por exemplo, na Alemanha, onde se alguém fala sobre o Afeganistão é porque no mínimo é professor de ciência política sobre o Afeganistão que investigou ao longo de mais de uma dezena de anos, em Portugal o comentador fala sobre tudo. É, numa frase batida, o tipo que sabe pouco de muito.
O comentador é uma profissão que só existe, que eu saiba, em Portugal e em países mais periféricos (na Europa de leste por exemplo), onde a pressão social por boa informação é mais escassa. Basta ler o El País ou o Le Monde ou ver a Euronews para compreender que viés ideológico todos os órgãos de comunicação têm mas há uns, estes que cito, onde a informação ainda tem espaço. Cá desapareceu e foi subterrada pela opinião, cujo operário é o comentador, na maioria dos casos mal pago ou gratuito, uma vez que a recompensa vem a montante, das agências de fomento, de comunicação, dos livros que vende, dos cargos que espera almejar.
Tenho para mim que as pessoas devem tirar os cursos que gostam simplesmente por uma questão de prazer e saber, creio no valor do conhecimento de per si e na possibilidade de agregar este (o prazer do trabalho) às necessidades de uma sociedade – o prazer do saber, entra facilmente na minha noção de cultura e educação. Acredito até numa sociedade em que se aprende música mas não se toca, se dedica tempo a ler romances sem vender livros, a namorar sem casar e correr na praia sem fazer anúncios à Nike.
Fonte: Cinco Dias
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