terça-feira, 27 de fevereiro de 2018

Aprender a aprender ou aprender coisa nenhuma?

O António Duarte, da Escola Portuguesa, faz uma análise que considero deveras realista e com a qual concordo inteiramente. Completarmente, o presente texto remete para um excelente artigo de opinião, da autoria de Nuno Crato, no Observador.


Embora não concorde com tudo o que diz e discorde de quase tudo o que fez enquanto ministro da Educação, respeito em Nuno Crato o intelectual com um pensamento próprio, estruturado e nalguns pontos polémico sobre Educação. Já escrevia e debatia sobre temas educativos muito antes de ser ministro, e deixando de o ser, continua a fazê-lo. O que é de registar e saudar.

E – um ponto a seu favor – não tem medo da polémica nem dos consensos politicamente correctos. António Guterres, na cerimónia recente de atribuição do doutoramento honoris causa pela Universidade de Lisboa, enfatizou a importância de um ensino menos formal e da aprendizagem ao longo da vida, valorizando o “aprender a aprender” em detrimento dos conhecimentos que se aprendem nas escolas e nas universidades e que rapidamente se mostram inúteis e ultrapassados. Crato, obviamente, discorda. E pergunta:

Gostaria algum de nós de ser tratado por um médico que, na universidade, tivesse aprendido Literatura Germânica, não tivesse prestado grande atenção à Anatomia nem à Histologia, mas que tivesse sido fantástico a “aprender a aprender”? Gostaria algum de nós de andar num avião mantido por uma equipa de mecânicos que, na sua escola de formação técnica, tivessem estudado Anatomia Patológica, nada sobre motores nem sobre aeronáutica, mas que fossem extraordinários a “aprender a aprender”?

Em boa verdade, o conhecimento conta. E dou razão a Nuno Crato: embora o discurso de Guterres tenha sido de circunstância, redondo e generalista, como aliás é seu timbre, não me parece que tenha sido feliz na formulação que encontrou. Antes de “aprender a aprender” é preciso primeiro aprender alguma coisa que sirva de base a essa “permanente procura do conhecimento” em tempos invocada por outro ilustre autodidacta, Miguel Relvas de seu nome. O raciocínio lógico e abstracto, o pensamento crítico e criativo e outras “capacidades” e “competências” hoje em dia muito gabadas não se desenvolvem a partir do nada: são precisos conhecimentos de base, vocabulário e outras ferramentas cognitivas para as conseguir utilizar e desenvolver.

Quanto à obsolescência do conhecimento escolar: ela ocorre mais facilmente com as aprendizagens “flexíveis” que agora se pretende estimular do que com o conhecimento disciplinar sólido e estruturado do ensino tradicional. Nuno Crato dá o exemplo feliz das coisas que se aprendiam quando se começou a dizer, dos computadores, que seriam o futuro: quem conhece hoje os comandos do MS-DOS, as teclas de atalho do WordPerfect ou a programação BASIC, tudo coisas que faziam furor no final dos anos 80?…

Em contrapartida, dominar uma língua estrangeira ou ter boas bases de Matemática, conhecer e compreender o essencial da História e da Geografia de Portugal, entender no fundamental a teoria da evolução de Darwin ou a relatividade de Einstein, não são conhecimentos inúteis nem ficarão certamente ultrapassados nas próximas décadas. São conteúdos sólidos e concretos que não só enriquecem os jovens que os têm como lhes permitem, esses sim, partir para novas aprendizagens.

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