Roberto Carneiro
in Público 14-06-2011
O figurino de administração concentracionária que impera no Ministério da Educação torna-o refém de jogos ideológicos
O IMPASSE
Muita retórica estéril tem vindo a ser gasta sobre o estado da educação básica e secundária em Portugal. Mas a verdade é que, quanto mais se diz e escreve sobre o sistema educativo, mais longe nos situamos da mudança radical de paradigma que as circunstâncias exigem: a concretização corajosa de uma transformação estrutural que rompa com um passado de centralismo napoleónico e de absurda submissão dos agentes que operam no terreno à ditadura das burocracias.
A OPORTUNIDADE
Porquê agora? Por cinco razões fundamentais: (i) porque o momento da mudança de governo é propício à reflexão aprofundada sobre políticas públicas; (ii) porque o novo modelo de liderança e de gestão dos centros educativos e agrupamentos de escolas se encontra plenamente assumido; (iii) porque existe uma cultura de responsabilidade em franca consolidação nos parceiros sociais; (iv) porque se verifica uma dinâmica muito apreciável de inovação ao nível das comunidades educativas locais; (v) porque a reforma do Estado e dos serviços públicos constitui prioridade indeclinável do próximo governo e dos memorandos que nos vinculam a credores internacionais.
O figurino de administração concentracionária que impera no Ministério da Educação torna-o refém de jogos ideológicos e presa fácil da tentação permanente das "grandes reformas". Os caprichos conjunturais das maiorias eleitorais prevalecem sobre as plataformas alargadas de entendimento transversas às forças políticas, como se imporia para estabilizar e acalmar um sistema que evolui ao ritmo de gerações.
Afigura-se-nos, assim, ser chegada a altura de desencadear um amplo e irreversível movimento descentralizador cuja bússola orientadora reside no reconhecimento de que os processos de aprendizagem são, na sua essência, catalisados por relações interpessoais, à escala humana, ou seja, micro. Esse relacionamento intersubjectivo tem lugar entre pessoas concretas e da sua fecundidade dependem: a motivação para o esforço de aprender, a estimulação para uma pedagogia dialógica (Paulo Freire), e a implementação de incentivos apropriados a uma plena adesão à aventura dos saberes.
Isso será viável quando os professores e as lideranças escolares forem reconhecidos como o motor essencial de regeneração do fragilizado tecido educacional: pelo testemunho humano que dão como educadores; pela dedicação incansável à centralidade de cada aluno e ao respeito pelos estilos diversos de aprendizagem; e pelo profissionalismo evidenciado no exercício da missão nobilíssima de preparar as futuras gerações de cidadãos. Educadores responsavelmente mobilizados e dispostos a participar entusiasticamente no progresso de cada um dos seus alunos, da sua escola, da sua turma, são a condição sine qua non para restituir "alma" ao acto educativo e revitalizar as ecologias de aprendizagem.
O QUE HÁ A FAZER
Sejamos claros sobre o caminho que propomos e que se nos afigura ser a via para vencer os diktats do mastodonte administrativo irreformável:
1. Apostar na autonomia plena dos centros e agrupamentos educativos, colocando as principais decisões na esfera de responsabilidade directa das respectivas comunidades de pertença.
2. Reduzir drasticamente a "máquina" do Ministério da Educação a quatro vectores estratégicos: (i) orientação e supervisão pedagógica; (ii) gestão integrada de recursos (humanos, materiais, financeiros); (iii) inspecção, e (iv) prospectiva, antecipação e planeamento estratégico.
3. Descentralizar ao máximo as funções supra-escolares, cometendo a autoridades locais de educação (ao nível de municípios e/ou dos seus agrupamentos) todas as competências hoje detidas pela administração desconcentrada da educação (com a concomitante extinção das Direcções Regionais de Educação).
4. Criar uma agência independente de regulação/avaliação do sistema educativo, designadamente do cumprimento escrupuloso por parte de todos os actores responsáveis das obrigações e direitos livremente contratualizados.
AS CONSEQUÊNCIAS
1. A recolocação da essência do acto educativo e da relação pedagógica no centro da educação.
2. A restauração da confiança na escola e nos agentes educativos que nelas operam.
3. Uma responsabilização efectiva de quem actua no terreno pelas decisões educativas e pedagógicas, com aumento da transparência e da prestação regular de contas à comunidade nacional.
4. Um tratamento equitativo de todos ao nível da avaliação de desempenho, independentemente da natureza e titularidade dos estabelecimentos de ensino.
5. Um Ministério da Educação reduzido a algumas centenas de colaboradores ao invés dos milhares que actualmente ocupam lugares nos serviços centrais e desconcentrados.
6. Uma poupança orçamental estimada, por defeito, na ordem dos cinco a sete por cento.
Acreditamos ser possível uma primavera educativa nova em Portugal. O risco maior é o de nada decidir (só aparentemente, visto que isso significaria a decisão efectiva de manter o statu quo), assistindo de mãos atadas ao apodrecimento progressivo do sistema e ao agravamento inelutável das relações de desconfiança no seio da res publica da educação. Sem a assunção aberta e corajosa de riscos a geração de quinhentos não teria colocado Portugal no centro da história universal. Fazemos votos de que o sentido de Estado prevaleça sobre o calculismo paralisante, levando os responsáveis políticos a actuar e a aproveitar em plenitude a oportunidade soberana para renovar Portugal. Nas palavras do poeta imortal da Mensagem: "É a hora!"
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