Não serei eu, leigo na matéria, que me atreverei a fazer interpretações desenvolvidas sobre esta demissão, A homilia de despedida de Bento XVI, há poucos dias proferida na Basílica de São Pedro, apresentou razões objectivamente mundanas sobre a sua decisão, não resisto a fazer-lhe alguns comentários.
O primeiro é que esta decisão foi objectivamente política, ela não se esgotou na idade do Papa e na sua eventual consciência de que lhe começavam a faltar forças para tamanho empreendimento. Bento XVI justificou a sua atitude com problemas no seio da Igreja , atitudes excessivamente mundanas («hipocrisia religiosa, o comportamento de que buscam o aplauso e a aprovação do público»), de guerra pelo poder («Penso em particular nos atentados contra a unidade da Igreja e nas divisões no corpo eclesiástico») e de desvirtuamento da missão da Instituição («O verdadeiro discípulo não serve a si mesmo ou ao público, mas ao Senhor, de maneira singela, simples e generosa»). E disse-se «bem consciente da gravidade deste acto». A conclusão evidente é a de que a Igreja Católica padece, afinal, das mesmas mazelas de todas as instituições humanas, sobretudo a do poder.
Outra observação é a de que esta atitude, não me parece nada inspirada pela fria racionalidade protestante alemã, mas sim pelo temperamento exaltado dos latinos, que batem com a porta quando estão fartos de aturar alguém ou alguma coisa. Uma atitude bem católica tradicional, portanto, no sentido que o Pedro costuma utilizar.
A terceira observação é de que os próximos tempos vão exigir um papa político, à João Paulo II. Bento XVI foi um papa eminentemente espiritual, um teólogo racional e inspiradíssimo, e sobretudo preocupado com as questões da fé, em contraponto com o perfil político da liderança de João Paulo II. Desse ponto de vista, a sua superior inteligência e racionalidade, e o seu afastamento voluntário das questões mundanas, prejudicaram a sua função de líder, de chefe político da Igreja. E, pelo que se tem visto por estes dias, aquela gente no Vaticano está mais interessada em questões de egos pessoais e em jogos de poder, do que em assuntos da fé. Nada de novo na casa, em verdade se diga. Mas á preciso pô-la (e, sobretudo, pô-los) na ordem.
Por mais que se simpatize com Ratzinger, e eu confesso a minha admiração por ele, a Igreja Católica sai do seu governo mais enfraquecida, dividida e confusa do que antes estava. Os conservadores não acharam graça nenhuma a esta demissão, a opinião pública interroga-se sobre o que terá acontecido, e muitos católicos começam a ter sérias reservas sobre a índole das pessoas a quem confiam a sua fé. E se o Conclave escolher um Papa frágil para fazer a transição, uma espécie de António José Seguro que deixe cada grupo com aquilo que é seu e fazer o que bem quer e lhe apetece, então, nesse caso, a Igreja Católica só poderá esperar por dias ainda mais negros. Esperemos que isso não venha a acontecer.
Fonte: Portugal Contemporâneo
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