quinta-feira, 26 de abril de 2018

A profissão docente nos nossos dias!


Vivemos uma conjuntura política, económica, social e até cultural que não motiva a escolha da profissão docente. Ser professor não é fácil. O Estado e a Sociedade olham para a escola e obrigam-na a sarar todos os males sociais que os governos não são capazes de enfrentar.

A escola obriga-se a prevenir a toxicodependência, a educar para a cidadania, a formar para o empreendedorismo, a promover uma cultura ecológica e de defesa do meio ambiente, a motivar para a prevenção rodoviária, a transmitir princípios de educação sexual, a desenvolver hábitos alimentares saudáveis, a prevenir a Sida e outras doenças sexualmente transmissíveis, a utilizar as novas tecnologias da comunicação e da informação, a combater a violência, o racismo e o belicismo, a reconhecer as vantagens do multiculturalismo, a incutir nos jovens valores socialmente relevantes, a prepará-los para enfrentarem com sucesso a globalização e a sociedade do conhecimento, e sabe- se lá mais o quê...

Os professores foram treinados para saberem fazer o que sempre fizeram e bem: ensinar. Mas, além disso, todos os dias se lhes exige o cumprimento de cada vez mais objectivos educativos que a sociedade não consegue alcançar.

Entregues a si próprios, sem acompanhamento nem adequada e suficiente formação complementar, os docentes sentem sobre os seus ombros o peso da enorme responsabilidade que lhes é imputada pelo Estado e pelas famílias. Vítimas de uma angustiante solidão profissional, cativos dentro das quatro paredes da sala de aula onde trabalham, quantas vezes em condições desmoralizadoras, rodeados de muros e cercas metálicas de várias origens e com diferentes significados, os docentes atingem perigosos estádios de desencanto, de desilusão e desmotivação profissional.

Hoje, a profissão de professor caracteriza-se por oferecer poucos estímulos, incentivos, e até razões para que os docentes se envolvam num processo de motivação e de evolução qualitativa das suas capacidades pessoais e profissionais.

Por cada nova competência que se lhes exige, sem a correspondente formação, o professor vai atingindo níveis cada vez mais preocupantes de incompetência no cumprimento desses novos saberes que se lhe impõem e para os quais não foi preparado, aumentando os seus níveis de stress e de erosão profissional.

Ou seja, o professor desprofissionaliza-se. E esta desprofissionalização determina o emergir de um progressivo clima de mal-estar. Por cada machadada lançada no seu estatuto remuneratório, por cada tentativa de o funcionalizar, por cada golpe desferido na sua autonomia pedagógica e intelectual, por cada tentativa de denegrir publicamente a sua imagem social, o professor proletariza-se. Isto é, deixa de ser um intelectual apto, para se transformar num assalariado com níveis de inaptidão externamente provocados. Um dos sintomas dessa proletarização ocorre, desde logo, quando os professores aceitam mais funções e, simultaneamente, piores condições de trabalho.

A ausência de um código deontológico que ajude a consolidar a cultura profissional dos docentes também não permite que se atenuem os resultados negativos de todas as pressões externas e motiva mesmo o aparecimento de sensações de insegurança e de receio permanentes. Hoje, alguns professores trabalham em condições tão desanimadoras que não conseguem enfrentar com 
Autonomia e liberdade as contradições que dia-a-dia encontram dentro das escolas e junto das famílias dos educandos.

Proclama-se uma escola inclusiva numa sociedade que não acolhe os excluídos. Pretende-se promover uma escola para todos numa sociedade em que o bem-estar e a cultura só estão ao alcance de alguns; em que a escola não consegue integrar os filhos das famílias vitimadas por políticas de incúria. Tais políticas acentuam o desemprego, o trabalho infantil, a iliteracia, a delinquência, a violência doméstica e coagem muitos pais a verem a escola obrigatória como um obstáculo à incorporação dos filhos no mundo do trabalho, já que esta não lhes é apresentada como uma solução meritocrática, porque as políticas e os políticos se revelaram incapazes de tomar medidas que evitassem as clivagens entre os que tudo têm e os que pouco ou nada possuem.

Arvora-se uma escola em que os valores transmissíveis não encontram acolhimento em inúmeros lares, porque são constituídos por famílias disfuncionais. Uma escola onde se exige o cumprimento de currículos obsoletos, a aplicação e correcção de provas de avaliação de conhecimentos, muitas delas de duvidosa validade, e onde a máquina burocrática da administração escolar obriga a reunir em órgãos, departamentos, comissões, sessões de atendimento...

Esta é a autêntica escola pública em que trabalha a maioria dos nossos professores. A escola em que também é preciso (ainda se lembram?) que os docentes tenham tempo para ensinar e os alunos encontrem momentos para aprender.

In João Ruivo et al. Ser Professor - Satisfação Profissional e Papel das Organizações de Docentes., Um Estudo Nacional. Instituto Politécnico de Castelo Branco e Associação Nacional de Professores. ISBN:978-972-99849-9-0. pp 1-3.

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