domingo, 3 de fevereiro de 2013

Cinema Paraíso: Crítica - Argo (2012)

 

Realizado por Ben Affleck
Com Ben Affleck, Bryan Cranston, John Goodman, Alan Arkin

Há casos assim. Casos em que somos completamente apanhados de surpresa. Casos em que o impossível acontece e o inacreditável se torna real. Numa altura em que ninguém dava mais de dois tostões por Ben Affleck, o outrora menino bonito de Hollywood apostou na realização. E tal aposta (que muitos encararam com escárnio e com descrença) acabou por se revelar um verdadeiro golpe de génio, pois a sua carreira decadente como que ganhou um novo fôlego. Na sua situação, e face aos constantes ataques da imprensa e das más-línguas, muitos (para não dizer a grande maioria) teriam enveredado por caminhos tortuosos e deitado a perder a oportunidade de uma vida. Basta recordarmos os casos de Lindsay Lohan, Haley Joel Osment ou Mel Gibson para chegarmos à conclusão que a fama e a glória hollywoodescas são efémeras e perigosas. Mas Affleck teve o bom senso de não se meter nos copos ou nas drogas. Farto de aturar insultos muitas vezes despropositados, o ator afastou-se da representação por uns tempos e tirou um tempo de sabática. Depois abraçou o sonho da realização e surpreendeu meio mundo com “Gone Baby Gone”, que depressa se tornou um dos filmes mais aclamados de 2007, tendo mesmo sido nomeado para um Óscar e dezenas de outros prémios internacionais. A estrela estava ressurgida. O Golden Boy estava de volta, mais forte e maduro do que nunca. E se “The Town” veio comprovar que a competência demonstrada em “Gone Baby Gone” não tinha sido acidental, este “Argo” vem confirmar Affleck como um dos cineastas mais talentosos da atualidade. Os tempos de aprendiz terminaram finalmente. Affleck está agora um senhor realizador.


A história deste filme parece uma coisa retirada da cartola de um escritor que trabalha unicamente sob o efeito de ópio. Fazer um grupo de pessoas passar por uma equipa de filmagens canadiana para atingir o objetivo de escapar a um Irão em pleno estado de revolta? Parece uma coisa verdadeiramente absurda. Mas o que é espantoso é que se trata de uma história real. Real e confidencial. Tão confidencial que só nos anos 90 foi revelada ao grande público, por ordem do então presidente dos Estados Unidos da América, Bill Clinton. Para nos contextualizarmos na história de “Argo”, temos de viajar até aos anos 70/80 do século passado. Nessa altura, o presidente dos Estados Unidos concedeu asilo político a um ditador do regime iraniano que foi tudo menos bondoso para com o seu povo. Como seria de esperar numa situação deste tipo, o povo iraniano revoltou-se em massa contra os Estados Unidos, atacando a embaixada norte-americana em Teerão e fazendo reféns todos os trabalhadores da embaixada. Bom… todos não. Porque seis conseguiram escapar pela porta das traseiras. E ao darem conta disto, os iranianos percorreram as ruas como doidos raivosos em busca destes seis desaparecidos, para com eles ajustarem contas. Não podendo ficar de braços cruzados, o governo americano decidiu então engendrar uma missão de resgate com os contornos absurdos que referimos anteriormente. Foi aqui que Tony Mendez (Ben Affleck), John Chambers (John Goodman) e Lester Siegel (Alan Arkin) entraram em cena. Mas o que eles fizeram ao certo não iremos aqui revelar. Pois o resto é mesmo ver para crer.


Depois de “Gone Baby Gone” e “The Town”, muitos acharam que Affleck era realizador para filmes sobre a criminalidade de Boston e nada mais. Um daqueles cineastas que só se sente confortável na sua praia, num género cinematográfico muito particular, espalhando-se ao comprido ao experimentar outras andanças. Mais alfinetadas das más-línguas, portanto, que teimavam em desconfiar do talento do ator/realizador. Mas ao seu bom estilo sereno e tranquilo, Affleck usa “Argo” para dar uma chapada de luva branca aos seus detratores, já que a ação deste novo projeto não podia estar mais distanciada de Boston. E a verdade é que a qualidade continua à vista de todos, mesmo com a mudança subtil de género cinematográfico. De facto, “Argo” é um produto cinemático de enorme maturidade (artística e cultural). Uma narrativa com aspetos tão bizarros como esta corria o risco de se tornar vulgar ou partidária. Nas mãos de um realizador vulgar, “Argo” poderia ter-se transformado numa comédia em que os iranianos são retratados como demónios que se babam e os americanos caracterizados como suprassumos que até com o pior plano do mundo se safam do inferno. Mas Affleck não permite que isto aconteça, inserindo subtis momentos cómicos na altura apropriada e filmando os restantes eventos com o respeito e a seriedade que eles mereciam. Os iranianos são, até certo ponto, retratados como os maus da fita. Mas os americanos e os governos do mundo ocidental também não se livram das críticas mordazes que tão bem lhes assentam. É difícil de acreditar que Affleck tem apenas 40 anos de idade, pois esta obra tem todo o ar de ter sido filmada por alguém com uma experiência de vida enorme e uma colossal sensibilidade emocional que só se adquire com o passar dos tempos. A tensão dos eventos retratados é de tal forma asfixiante que o espectador quase começa a suar na cadeira. E o equilíbrio entre comédia, thriller de espionagem e drama de estilhaçar corações é tão portentoso que “Argo” só pode mesmo transformar-se num clássico. Senhor Affleck, por nós, pode continuar a dedicar-se à realização. Pois, para nós, o senhor é já o incontornável sucessor desse monstro do cinema que é Clint Eastwood.

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