segunda-feira, 4 de fevereiro de 2013

Cinema Paraíso: Crítica - Django Unchained (2012)

 

Realizado por QuentinTarantino
Com Jamie Foxx, Christoph Waltz, Leonardo DiCaprio, Kerry Washington


Quentin Tarantino está, sem dúvida alguma, a passar pela fase mais inspirada da sua carreira. Depois de alguns anos marcados por uma menor produtividade e por obras que não atingiam o consenso crítico e comercial, em 2009 o controverso realizador fez as delícias do grande público com o arrojado e surpreendente “Inglourious Basterds”. E agora brinda-nos com mais uma pérola que decerto ficará para a História da 7ª Arte e que não deixará ninguém indiferente. Após as declarações do não menos controverso Spike Lee (que se mostrou contra o filme por considerar que este desrespeitava a memória dos seus antepassados), muitas vozes enraivecidas apuparam Tarantino sob o pretexto de que ele teria ido longe demais ao transformar a escravatura num espetáculo de entretenimento despudorado. Mas digam os influenciáveis detratores o que disserem, “Django Unchained” é um dos filmes mais espantosos e viscerais dos últimos anos, levando o espectador numa viagem que abrange todos os tipos de emoções e sensações. Até porque, bem vistas as coisas, “Django Unchained” não é muito diferente de “Inglourious Basterds”. Este último era um conto de fadas sobre a vingança do povo judeu nos tempos da segunda grande guerra e esta nova obra é um conto sobre a retaliação dos escravos de tez negra por alturas da guerra civil norte-americana. E se “Inglourious Basterds” foi considerado um dos melhores filmes de Tarantino (talvez até a sua obra-prima), por que carga de água não haveria “Django Unchained” de receber um tratamento similar? Se há coisa que Tarantino faz nesta obra é homenagear a força de espírito do povo afro-americano e retratar o povo sulista caucasiano como uns pategos incultos e abrutalhados. Portanto, esqueçam as palavras infelizes de Spike Lee e deem uma oportunidade a um filme que tão cedo não sairá do vosso pensamento.


No seu papel mais respeitável desde “The Soloist”, Jamie Foxx interpreta a descontraída e musculosa personagem que dá título ao filme: Django Freeman, um escravo considerado problemático que se vê afastado à força da sua esposa Broomhilda (Kerry Washington). A caminho do seu novo destino após ter sido vendido a um novo dono, Django vê-se intercetado pelo Dr. King Schultz (soberbo Christoph Waltz), que o liberta das amarras e lhe confere a liberdade. Schultz trava então uma relação de amizade com Django, deixando-se comover pelo relato dos seus infortúnios e comprometendo-se desde logo a ajudá-lo a encontrar a esposa perdida. Após uma série de tiroteios e episódios caricatos, ambos descobrem finalmente que Broomhilda se encontra na opulenta propriedade de Calvin Candie (não menos soberbo Leonardo DiCaprio), um esclavagista sem escrúpulos que se entretém a ganhar dinheiro com combates até à morte entre escravos e que possui uma alma mais sombria do que se possa imaginar. Django e Schultz viajam então até à Candieland (a propriedade de Candie), com o intuito de libertarem Broomhilda do controlo do pérfido fazendeiro. Mas serão bem-sucedidos na sua perigosa missão?


“Django Unchained” é um espetáculo visual e narrativo que nos prende por completo e nos deixa num estado de êxtase verdadeiramente fenomenal. É difícil dizer se é melhor ou pior que “Inglourious Basterds” ou até mesmo “Pulp Fiction”, até porque não é um filme perfeito. Consegue detetar-se uma ou outra inconsistência narrativa e alguns dos atos dos protagonistas (especialmente de Django) não abonam a favor do realismo, nem da sensatez cinematográfica. Porém, quem conhece o cinema de Tarantino não levará a mal estas pequenas falhas, até porque são elas que tornam a filmografia de Tarantino tão única e especial. Uma coisa é certa: Tarantino respira cultura pop por todos os poros. E isso sobressai (e de que maneira!) nas suas obras, seja sob a forma de golpes de génio que não lembram a ninguém, seja sob a forma de ideias arrojadas que somente resultam nas suas mãos. “Django Unchained” tem um pouco de tudo: comédia, ação, drama, suspense, até um pouco de terror para os mais impressionáveis. E isso faz dele um filme extraordinariamente bem conseguido, que insere o espectador na trama com admirável facilidade e que o leva a entrar numa viagem cinematográfica diferente de todas as que possa ter vivido até então. Tudo é brilhante nesta obra. As sequências de ação são de cortar a respiração, as tiradas cómicas resultam na perfeição e o design de produção é verdadeiramente avassalador.


Mas, como em todos os filmes de Tarantino, a cereja no topo do bolo é mesmo o argumento e a interpretação dos atores. Fica mais uma vez comprovado que Tarantino é um dos melhores argumentistas de todos os tempos, engendrando diálogos e longos monólogos que nos deixam literalmente sem palavras. E graças a uma direção de atores de fazer inveja a muitos que por aí andam, todo o elenco brilha como um cometa no espaço estelar. Curiosamente, o grande protagonista é o que apresenta menor veracidade. Jamie Foxx esforça-se e empresta a Django todo o carisma de que ele necessitava para funcionar, mas fica a sensação de uma personagem incompleta ou algo forçada. Christoph Waltz, Leonardo DiCaprio e Samuel L. Jackson são aqueles que mais ficam na retina, sendo eles que realmente fazem deste “Django Unchained” uma experiência cinematográfica imperdível. Waltz oferece-nos uma interpretação cheia de detalhes, DiCaprio rebenta com tudo e todos com uma performance deveras perturbadora, e Jackson causa grande impacto com poucos minutos em cena. É absolutamente incompreensível a razão pela qual DiCaprio e Jackson ficaram de fora da corrida aos Óscares, pois seriam certamente dois fortes candidatos à vitória final. Mas nem mesmo o completo desprezo da Academia fará com que as suas atuações caiam no esquecimento, pois são demasiado vibrantes para morrerem de forma tão gratuita. Graças a tudo isto e muito mais, “Django Unchained” é um dos filmes mais formidáveis dos últimos anos, embora não seja para todos os estômagos. Se é fã de Tarantino, o gozo e o espetáculo são garantidos. Se não é… pode acabar por não achar piada ao resultado final, mas pelo menos a experiência será sempre única e inolvidável.

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