O estudo auto qualifica-se como sendo “técnico” e não se dirigindo, em princípio, a outros destinatários que não aquele que o solicitou (o Governo). Assim, a primeira interrogação que, com propriedade, podemos colocar, prende-se, precisamente, com a razão de ser e o momento da sua divulgação, via imprensa. Será preparar psicologicamente o caminho para a tomada de decisões políticas que reflitam as opções (ou algumas delas) avançadas pelo FMI? Será que o Governo quer, no fundo e de alguma forma, desresponsabilizar-se, política e parcialmente, das medidas que poderá eventualmente adotar, aconchegando-se, um pouco, nas costas do FMI?
Mesmo com as dúvidas e reservas de quem não teve a oportunidade de se debruçar, com cuidado e refletidamente, sobre as 76 páginas do relatório, há algumas notas que merecem realce: o carácter iminentemente académico do texto apresentado, a desconsideração do impacto e do contexto político e sociológico das soluções sugeridas e a exclusiva focalização no Estado português, sem contar com a sua interação com o exterior. Ou seja, aparentemente, o estudo desenvolve e pressupõe uma análise isolada e estática de Portugal, assemelhando-se a um exercício centrado numa abstração: Portugal, a economia e o Estado portugueses, são uma ilha fechada e impermeável aos efeitos do mundo em mudança, nomeadamente, da Europa em que se integra. Ora, não se pode criticar o estudo por isso mesmo. Pelo menos, não se pode criticar muito! Há, naturalmente, uma preocupação da parte dos técnicos que assinam o trabalho, em não se imiscuírem em questões políticas de governação e em fornecerem apenas respostas ditas “técnicas”. Se algumas opções apresentadas parecem brutais e, realisticamente, de difícil concretização sem porem o que resta do país de “pernas para o ar”, o facto é que o FMI cumpre o seu papel. Curiosamente, no que tange à reflexão sobre o Estado, o estudo começa (e, salvo erro, fica-se por aí) por invocar clássicos como Musgrave e Buchanan, defensores de perspetivas, respetivamente, “intervencionistas” e “não intervencionistas” na economia, para nos dizer que a solução estará, algures, a meio caminho.
Dito isto, o que será porventura perigoso e criticável não é tanto o exercício apresentado pelo FMI, no seu papel de mero consultor independente, mas sim a eventual tentativa de o absolutizar, acriticamente e sem compreender que a economia é essencialmente política. Isso sim, é a responsabilidade primeira do Governo e a ela não pode fugir, sob pena de desistir da tarefa da governação.
Fonte: Blasfémias
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