terça-feira, 12 de fevereiro de 2013

Douta ignorância

Eu não percebo nada de economia, mas..." Esta é a frase mais ouvida hoje em Portugal. O mais curioso é que, logo após a admissão de ignorância, quem a faz costuma apresentar um conjunto de afirmações cortantes e taxativas, que defende com unhas e dentes sem hesitação. Afinal aquilo que não sabe chega e sobra para ser conclusivo e incontestável. Este comportamento paradoxal merece análise.

Parte é perfeitamente compreensível e justificada. Muitos de nós também não percebemos de medicina mas não estamos dispostos a aceitar tudo aquilo que os tratamentos nos querem impor. Uma coisa é a recomendação técnica, outra a nossa vidinha que a tem de suportar. Curas dolorosas são fáceis de recomendar aos outros, mas difíceis de engolir.

Apesar disso, admitimos que os médicos é que sabem. Mesmo quando não lhe ligamos, reconhecemos-lhe autoridade. De médico e de louco todos temos um pouco, mas poucos se atreveriam a apresentar e discutir com especialistas as terapêuticas e teorias de leigo que inventaram no duche. Na economia, porém, isso é habitual. Porque será?

Primeiro porque a economia, afinal, parece ser uma ciência rudimentar, como a própria crise manifesta. Tantos estudos e teorias e afinal estamos na miséria. Mas serão os economistas culpados? Afinal o País ignorou os sucessivos avisos que eles fizeram durante décadas. Além disso não nos passa pela cabeça acusar os meteorologistas pelo recente furacão ou os médicos pela morte do doente. A razão é que se compreende que clima e corpo humano são sistemas complexos e difíceis de controlar, mas não se entende que empresas e mercados são sistemas ainda mais complexos e difíceis de controlar. Dez milhões de pessoas, cada uma a puxar pelo seu lado e a tentar melhorar a vida, é algo indescritível, enigmático e insubordinável.

Apesar disso, a economia, como meteorologia e medicina, conseguiu avanços espantosos. Não só a recessão é muito menor do que se esperava e do que costumava ser há cem anos, mas o nível de vida que temos, mesmo com crise, é muito superior ao que se podia imaginar há uns anos. Só que ninguém dá valor a isto, dado as coisas estarem pior do que deviam ser. Todos se acham com direito a uma economia próspera e não vêem que isso é tão tolo como exigir um dia de sol ou uma vida longa e saudável.

Outra razão para a desconfiança é alegadamente os economistas estarem sempre em desacordo, sem se entenderem na cacofonia de opiniões. Existe realmente muita discussão, natural em assuntos complexos e difíceis de controlar. Só que o público respeita as polémicas médicas e meteorológicas mas, não só leva a mal os debates económicos, como ainda os empola. Porque as fortes controvérsias na economia não são em assuntos simples e claros, como a recessão portuguesa. Aí a generalidade dos economistas está de acordo e não existem muitas dúvidas acerca do caminho a seguir, para lá de variantes no detalhe.

Isso ficou evidente há um ano, quando no final de Fevereiro de 2012 o prémio Nobel Paul Krugman, professor em Princeton, visitou Portugal. Apesar de bem conhecido pelas suas posições polémicas, desabridas e keynesianas extremas, face à nossa realidade, desiludiu os críticos, concordando com as propostas da troika e a política seguida: "Detesto dizê-lo, mas não faria muito diferente do Governo português" (Público 29/02/2012).

Se é assim, como podem os nossos jornais e televisões estar cheios do que parecem ser as maiores discussões entre eminentes economistas? Bem, isso não é debate económico, mas outra coisa, que é fácil de entender para quem analisa a doença portuguesa. Para sairmos da crise temos de reduzir fortemente os gastos insustentáveis que beneficiavam muitos grupos e interesses dos vários sectores da sociedade. Naturalmente que, perante esses cortes, as vítimas não estão de acordo e movem todas as suas influências. Muitas mascaram os argumentos de teoremas científicos.

Assim, embora travado com termos económicos, o debate é realmente político.

Ora eu não percebo nada de política, mas...

João César das Neves

Fonte: DN

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