quarta-feira, 21 de março de 2018

Regina’s One


A protecção jurídica do chocolate parece estar a par da protecção jurídica da mulher, o que desmente as acusações de sexismo da justiça portuguesa. “Gostamos tanto de vós como de chocolate”, parecem dizer os tribunais às cidadãs de todo o País


Há três anos, um homem foi detido num supermercado do Porto por ter tentado sair com 15 chocolates escondidos no casaco. Ao que se sabe, o golpe foi preparado sem a ajuda de cúmplices. Se, um dia, a indústria do cinema quiser fazer um filme sobre o assunto, a principal dificuldade será a de contar uma história que tem menos dez protagonistas do que o célebre Ocean’s Eleven, sobre o assalto a um casino. Outro problema tem a ver com as designações: como referir o homem? Ladrão não parece apropriado, uma vez que ele não chegou a conseguir roubar nada. Admito que o caso não é dos mais espectaculares, e talvez por isso o tribunal tenha condenado o homem a 90 dias de prisão, convertidos em 90 horas de trabalho comunitário. Mas o Ministério Público não ficou satisfeito com a sentença e recorreu. Agora, o Tribunal da Relação agravou a pena para um ano de prisão. Estes juízes valorizaram o facto de o criminoso ter ameaçado os funcionários do supermercado com uma seringa que disse conter o vírus HIV, ao passo que os primeiros juízes deram mais atenção à circunstância de o homem ser “um indigente com um percurso de vida errático”.

Vale a pena, então, examinar o caso com mais cautela. O tribunal estimou o valor dos bens roubados em 23 euros e 58 cêntimos, o que significa que cada chocolate custa cerca de um euro e meio. Nada é dito sobre o tamanho dos chocolates, pelo que ficamos sem saber se se trata de pequenos bombons relativamente caros ou de tabletes relativamente 
baratas. Uma vez que o bandido tentou roubar e ameaçou infectar mas não roubou nem infectou, algumas pessoas sem formação jurídica têm perguntado se a pena de um ano de prisão não será demasiado dura, sobretudo tendo em conta a postura da justiça relativamente a outros criminosos. Ainda há pouco, um tribunal de Felgueiras condenou a um ano e três meses de prisão com pena suspensa um homem que agrediu a mulher com uma moca de pregos, auxiliado por outro indivíduo, também condenado a um ano com pena suspensa. A protecção jurídica do chocolate parece estar a par da protecção jurídica da mulher, o que desmente as acusações de sexismo da justiça portuguesa. “Gostamos tanto de vós como de chocolate”, parecem dizer os tribunais às cidadãs de todo o País. Há ainda outra hipótese: este crime foi cometido em Fevereiro de 2015, por volta do Dia dos Namorados. Talvez o tribunal tenha desconfiado que o indigente estava a roubar chocolates para oferecer a uma mulher adúltera e, na impossibilidade de a punir a ela, puniu o seu namorado. Também está certo.

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