terça-feira, 5 de fevereiro de 2013

Políticos fracos para um Estado fraco

Todos os debates, incluindo o da nomeação de Franquelim Alves ou o caso de Rajoy, parecem começar e acabar nacrescente corrupção da classe política. E começando e acabando aí, a conclusão só pode ser uma: sendo os políticos corruptos, o solução é retirar poder ao Estado. Porque, Estado e classe política se confundem, e é até natural que se confundam, na cabeça das pessoas.

É uma visão redutora que não se pergunta, primeiro, se é verdade que a classe política é hoje mais corrupta do que era e, segundo, se há uma relação entre a degradação da sua qualidade dos políticos e a perda de poder dos Estado nacionais.

Os políticos não são hoje mais desonestos do que eram no passado. Nem os políticos, nem os empresários, nem os cidadãos em geral. Parece-me até, para quem se lembra dos anos 70 e 80, que há, na sociedade portuguesa, menos corrupção do que antes. Basta recordar o que era a relação com os serviços do Estado e como a pequena corrupção estava generalizada para o concluir. E se a pequena corrupção diminui não há qualquer razão para pensar que a grande corrupção tenha aumentado. Os media e os cidadãos é que têm mais instrumentos de vigilância do que tinham. Há mais acesso a informação e a corrupção é, por isso, mais visível.

Esse passado bonito, em que a elite empresarial era muito séria e o poder político era ocupado por uma esmagadora maioria de gente impoluta e apenas ao serviço da comunidade, nunca existiu. Nessa matéria, com o crescente pluralismo da informação, com o nascimento da Internet e das redes sociais e até com algumas melhorias técnicas na Justiça e na investigação criminal, é provável que a situação seja hoje melhor do que era.

Mas podemos, apesar disto, assentar numa coisa: que os políticos têm menos capacidade de liderança, são menos populares, têm menos carisma e, em geral, têm menos qualidade. E isso torna o tráfico de interesses e a corrupção ainda mais insuportáveis para os cidadãos. Esta perda geral de qualidade da classe política resulta, a meu ver, da redução das funções do Estado, da globalização e da atomização da sociedade.

O Estado sempre teve, em grande parte, ao serviço de interesses. Mesmo em democracia, nunca houve um tempo em que os cidadãos com menos poder social e económico determinaram tanto as decisões políticas como os mais poderosos. Mas o Estado tinha mais poder do que tem hoje. Primeiro um poder coercivo, depois, com a democratização das sociedades e o nascimento do Estado Providência, mais poder social. O contrato nascido com Estado Social dava aos políticos um poder acrescido sobre os restantes poderes que em torno de si sempre orbitaram.

Só que a crescente redução do poder do Estado na economia fragilizou-o. A ideia de que podemos ter um Estado mínimo com poderes reguladores fortes é absurda. Um Estado mínimo é um Estado fraco. Um Estado fraco é um Estado vulnerável. Um Estado fraco e vulnerável não é dirigido por gente forte e firme.

Se se tem mais poder numa empresa ou num jornal, e se ainda por cima se tem mais popularidade e se é menos escrutinado, por que raio se há de querer ocupar um lugar político? Se se manda mais de fora, porque raio se há de querer estar dentro? Para a política vão algumas pessoas com convicções fortes e uma enorme maioria de representantes de outros interesses com muito mais poder do que o próprio Estado. A começar pelo maior poder do capitalismo atual: o das instituições financeiras. Degradado o contrato social que o Estado Providência determinava, estes políticos estão dependentes dos verdadeiros poderes sociais e económicos, não encontrando nos que o elegeram qualquer apoio para lhes resistir. Funciona então a teoria da boa e da má moeda, tão popularizada por Cavaco Silva. Os melhores não querem sujar a sua reputação e dão lugar aos piores, sem qualquer reputação a defender.

Por outro lado, o poder deslocou-se das Nações para fora delas. A globalização retirou aos Estados Nacionais grande parte dos seus instrumentos económicos e políticos. Como isso não foi acompanhado pela democratização de instituições internacionais ou transnacionais, a intuições democráticas nacionais perderam a capacidade de determinar o futuro das Nações. Os políticos passaram a ser mais gestores de inevitabilidades do que líderes capazes de oferecer aos povos desígnios nacionais. E nenhum potencial líder está disposto a entregar a sua vida à mera gestão de decisões vidas de fora.

Por fim, a nossa sociedade atomizou-se. Os partidos deixaram de ser mediadores entre a sociedade civil e o Estado e são, por isso, incapazes de construir narrativas que determinem visões políticas e ideológicas coerentes. Os sindicatos estão debilitados e cada trabalhador foi entregue a si próprio. A empresa deixou de ser uma morada certa. As Igrejas deixaram e conseguir oferecer às pessoas edifícios morais sólidos. A família tradicional está em vias de extinção e já não estrutura o resto da sociedade. O capitalista industrial deu lugar ao gestor assalariado que representa uma massa indistinta de acionistas sem estratégias de longo prazo, apenas ávidos de lucro rápido. A comunicação social, apesar de ter mais instrumentos do que tinha, perdeu espaço para redes sociais horizontais e inorgânicas. A sociedade é hoje composta por indivíduos isolados e perdidos.

Nestas circunstâncias, que resultam de algumas dinâmicas que até posso considerar globalmente positivas, como poderia o poder político ter alguma substância que lhe desse a capacidade de dar um rumo às Nações e não ceder a interesses mais poderosos do que ele?

Os políticos não são mais corruptos do que eram. São apenas mais fracos, porque se limitam a gerir um Estado mais fraco numa sociedade atomizada que não pode ser representada através de narrativas coerentes. Quem pensa que a melhor forma de combater a corrupção é retirar ainda mais o Estado da vida social e económica, reduzir o papel dos partidos políticos e dissolver as grandes clivagens ideológicas não compreende as razões profundas desta fraqueza. A falta de qualidade da classe dirigente não é a causa, é a consequência da fragilidade do Estado. Porque não se pode esperar que os melhores escolham ser dirigentes que pouco ou nada dirigem.

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